João Lourenço Sofre Dois Potentes Golpes

João Lourenço acaba de receber dois fortes golpes, um dos quais poderá ser determinante para a definição da sua presidência. Obviamente, os golpes provêm dos filhos do antigo presidente da República e seus associados.

O primeiro grande embate que acometeu João Lourenço surgiu de Londres, onde, no Tribunal Superior, o juiz Popplewell deferiu o pedido de levantamento do congelamento de fundos requerido por Jean-Claude Bastos de Morais e José Filomeno dos Santos (Zenú).

Já tínhamos reportado a existência da audiência e a posição forte assumida pelo governo Angolano de acusar os dois de conspiração para se apropriarem de cinco mil milhões de dólares do Fundo Soberano de Angola (ver aqui e aqui), e que, numa primeira decisão judicial favorável ao Governo de Angola e ao Fundo Soberano, outro juiz inglês tinha mandado congelar três mil milhões de dólares geridos por Jean-Claude Bastos de Morais por indicação de Zenú.

Agora, essa decisão foi anulada, e os valores foram libertados e entregues a Jean-Claude de Morais e às suas empresas do universo Quantum Global.

O que parece mais perturbador para João Lourenço desta decisão – de acordo com os sumários a que tivemos acesso, não conhecendo ainda a sua fundamentação integral – é que o juiz é bastante severo para com a posição do Governo angolano e dos seus mandatários, acusando-os de terem omitido ao tribunal informações relevantes, e que essa omissão era grave, substancial e culpável. Dito de outra forma, o juiz do tribunal inglês acusa os representantes de Angola de terem enganado o tribunal para obterem o congelamento dos bens, e que esse engano foi propositado, podendo dar origem a um pedido de indemnização por parte de Jean-Claude Bastos de Morais por danos sofridos.

Aparentemente, os dados fundamentais omitidos serão os variados contratos e documentos acordados entre o Fundo Soberano e as empresas de Jean-Claude, que dão cobertura aos movimentos denunciados pelo actual Governo angolano.

Este facto remete-nos para duas considerações. Se João Lourenço está convicto da razão que lhe assiste e ao Governo de Angola no caso contra Zenú e Jean-Claude Bastos de Morais, não se percebe porque segue uma estratégia tão frouxa, que foi facilmente desmontada num tribunal estrangeiro.

Em qualquer país, seja os Estados Unidos ou Portugal, quando sobre alguém recaem suspeitas tão grandes e tão graves como aquelas que incidem sobre Jean-Claude e Zenú, as operações judiciais são feitas naquilo a que se convencionou chamar o estilo “big bang”. O FBI, em conjunto com o Departamento de Justiça, ou a Polícia Judiciária, com o Ministério Público, num dia prendem preventivamente e interrogam os suspeitos, fazem buscas e apreensões, congelam bens, e fazem uma primeira acusação judicial. Os dados essenciais são colocados em cima da mesa, e os suspeitos são confrontados com o peso legal do Estado na sua máxima potência.

Em Angola, neste suposto combate à corrupção, assiste-se a uma estratégia de “pés em bico”, que acaba enrolada no seu próprio labirinto.

Não custa imaginar que Jean-Claude um dia processe o Fundo Soberano de Angola em Londres, pedindo uma choruda indemnização, e depois penhore a Embaixada de Angola em Dorset Street, Londres, para se fazer pagar.

Portanto, João Lourenço defronta-se agora com um teste à sua força e determinação como presidente da República. Em português vernacular, “ou vai ou racha”. A atitude que tomar face a esta derrota definirá o seu restante mandato.

 

O problema “Zé Dú”

Uma segunda consideração talvez seja mais profunda. Como referimos anteriormente, nestas situações politicamente complexas, o direito não resolve tudo. A verdade é que a documentação legitimadora apresentada por Zenú e Jean-Claude tem uma fonte única: o antigo presidente da República, José Eduardo dos Santos. Os filhos do ex-presidente não agiram sem a bênção do pai. Por isso, terão todos e mais alguns documentos formais a provar a sua razão.

Um parêntesis para clarificar que, em questões de direito dos contratos, os tribunais ingleses são muito formalistas. Julgam segundo a letra do contrato e supõem que se um contrato foi assinado é para cumprir o que está lá escrito, não perdendo tempo com considerações à volta das circunstâncias extracontratuais, como é hábito na jurisprudência lusófona.

Dito isto, facilmente se percebe que João Lourenço será sempre, no fim da linha, confrontado com os actos do seu antecessor. Até agora tem fingido que não percebe. Mas um dia terá de assumir que a única forma de “combater a corrupção e a impunidade” é atacar, do ponto de vista político-legal, os actos de José Eduardo dos Santos, pois são eles que dão cobertura a todos aqueles que agora estão a ser confrontados pelas autoridades angolanas. E todos terão a mesma defesa: as autorizações, os despachos, os contratos e os documentos assinados ou mandados assinar por José Eduardo dos Santos.

Este não foi, porém, o único vexame sofrido por João Lourenço nos últimos dias. É do conhecimento público que a Procuradoria-Geral da República notificou Isabel dos Santos para prestar declarações sobre a sua gestão enquanto presidente do conselho de administração da Sonangol.

Segundo várias fontes públicas, depois de receber a notificação, Isabel terá ido com o marido para a “Fortaleza do Miramar”, onde o pai mora, para se proteger, rapidamente voando para Lisboa. Entretanto, Isabel dos Santos alega não ter sido notificada de nada, conforme comunicado que emitiu já em Lisboa.

Se isto se passou assim, é rocambolesco e prova a fragilidade da actuação de João Lourenço. O Ministério Público, os agentes de investigação judiciária e de prossecução penal – que são, em última instância, da responsabilidade do presidente — não funcionam de forma eficiente no combate à corrupção e à impunidade. Há falta de pulso e de estratégia, o que, obviamente, coloca em dúvida João Lourenço.

Haverá em tudo isto algum tipo de fingimento? Estará João Lourenço a ser mal aconselhado? Não terá força suficiente? Como quer que seja, é nestes dias que a Presidência de João Lourenço se define. Em Setembro próximo, no Congresso do MPLA, o presidente tão depressa pode ser aclamado como – caso lhe sintam hesitação e fraqueza – derrubado.

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