CECOMA: Quando se Brinca com a Saúde do Povo

A forma como o Ministério da Saúde tem sido gerido é um terrível espelho de como o governo é displicente com a saúde dos angolanos, permanentemente abandalhada. Senão vejamos: há uma instituição pública a adquirir medicamentos de origem e qualidade suspeitas, destinados à população em geral. Porquê? Pela razão-mestra do costume: a corrupção.

O Maka Angola debruça-se hoje sobre a situação em que se encontra a Central de Compra e Aprovisionamento de Medicamentos e Meios Médicos de Angola (CECOMA), instituição sob a alçada do Ministério da Saúde.

Em Dezembro passado, realizou-se, em Luanda, a Feira Nacional de Saúde, Medicina, Higiene e Segurança no Trabalho. Neste evento, Francisco Segunda Jonas, representante do CECOMA, disse, em entrevista ao Jornal de Angola, que a sua instituição “tem disponíveis medicamentos essenciais para todas as doenças, materiais gastáveis e equipamentos diversos para atender a demanda em todos os hospitais públicos do país”.

Quem tiver lido as declarações de Francisco Jonas pensará que os médicos e pacientes que reclamam da falta de medicamentos básicos nos hospitais são loucos. “Temos medicamentos, materiais gastáveis e equipamentos diversos, desde os materiais electrónicos, electrocirurgia, bisturis electrónicos, aspiradores de secreções, dispositivos médicos como pinças, tesouras e recipientes para carros para aprovisionamento de resíduos de tuberculose, ambulâncias e outros”, reiterou.

Passados dois meses, José Vieira Dias Cunha, secretário de Estado para a Saúde Pública, enviou uma equipa de inspecção ao CECOMA para avaliar a qualidade dos medicamentos e dos meios médicos à guarda desta instituição. As constatações são aterradoras.

De acordo com a inspecção, o CECOMA tem adquirido Testes de Diagnóstico Rápido (TDR) de marcas comerciais desqualificadas, não reconhecidas pelo Ministério da Saúde, “e outras de uso proibido em África”, tendo em conta as normas internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Centro de Controlo de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América. Os especialistas explicam que o uso deste material “pode resultar em reacções cruzadas e falsos positivos, como por exemplo nas situações de co-infecção”.

O teste Abon Plus, de fábrico chinês e desqualificado pela OMS, armazenado no CECOMA.

A conservação dos medicamentos e reagentes em câmaras de frio é considerada anómala, sem registo nem termómetro, e obviamente sem registo diário das temperaturas, como é exigido. Os materiais são colocados em caixas térmicas “com as barras congelantes já em estado líquido”.

Há ainda o problema dos medicamentos e reagentes com datas de expiração encobertas, assim como outros já praticamente caducados. Como é infelizmente habitual nestes casos, as aparências iludem. O CECOMA dispõe de um software de controlo e gestão de stocks que não prevê o registo do fabricante ou da origem dos produtos. Ou seja, os medicamentos até poderão ter sido fabricados por um kimbanda no Palanca ou em Cambudi-Catembo – não há como saber.

Segundo informação obtida pelo Maka Angola, o CECOMA nem sequer tem um responsável pelo controlo de qualidade dos produtos farmacêuticos. Mais grave ainda, os técnicos do CECOMA afirmam trabalhar de forma empírica, porque desconhecem que haja um regulamento interno ou manual de procedimentos.

A inspecção também inquiriu sobre a aquisição de material caro – reagentes para biologia molecular – que não é produzido no país. Os reagentes foram encontrados na câmara, sem que qualquer funcionário do CECOMA soubesse explicar quem solicitara a sua aquisição e qual o destino que lhes seria dado.

Para fazer frente aos surtos de cólera e malária que têm assolado o país, o MINSA encarregou-se da aquisição directa de produtos farmacêuticos e, como notam os inspectores, sem qualquer comunicação com o CECOMA.

Por sua vez, esta instituição reclama que as aquisições do MINSA são feitas de forma um tanto anárquica, sem obedecerem a um “plano de necessidades”.

O CECOMA lamenta ainda que a aquisição de produtos farmacêuticos seja feita a nível local, com diferentes fornecedores que se sobrepõem uns aos outros no fornecimento dos mesmos produtos, mas em quantidades reduzidas.

Como não há fiscalização, o CECOMA explica que muitos fornecedores não cumprem as regras de manuseamento, manutenção e distribuição de medicamentos. Uma das más práticas é o transporte dos medicamentos em contentores não refrigerados e misturados.

Vários especialistas do sector da saúde referem que, ao serem escolhidos sem concurso público, os fornecedores muitas vezes têm de recorrer a terceiros e a práticas especulativas de modo a honrarem os seus compromissos com o Estado.

Por todas estas razões, os inspectores recomendam que as compras de produtos para emergências, como no caso dos surtos de cólera e malária, sejam mantidas até 30 por cento apenas, de modo que 70 por cento das aquisições sejam feitas no mercado internacional, mediante concurso público.

Os mesmos inspectores solicitam urgência na distribuição às unidades hospitalares necessitadas dos medicamentos cujo prazo de validade está prestes a expirar.

“Essa recomendação é válida. Mas a situação de emergência de malária surgiu em grande parte por causa das rupturas repetidas de antimaláricos. O facto de não se abastecer a rede primária com medicamentos essenciais resultará sempre em situações de emergência crónica”, explica um especialista em saúde pública, que prefere o anonimato.

Segundo este mesmo especialista, “a prática [de corrupção] na saúde é a mesma que nos outros sectores. Criam-se situações de emergência para se facturar mais nas compras, sem qualquer fiscalização, porque é urgente”.

“O CECOMA está desorganizado, mas não lhe cabe elaborar as políticas de compra de medicamentos. A compra de medicamentos é uma parte da política de financiamento em saúde. A política de financiamento da saúde não está definida”, explica a mesma fonte.

Fontes do Maka Angola no CECOMA denunciam que as recomendações não estão a ser cumpridas e que “tudo se mantém na mesma”.

“Na saúde, este esquema provoca o aumento da mortalidade no seio da população”, remata o especialista em saúde pública.

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