João Lourenço nas Curvas do Amiguismo

A retórica de João Lourenço como paladino no combate à corrupção e impunidade tem valido ouro. Só por causa dela, o FMI reviu em alta as previsões de crescimento para Angola, e os líderes dos empobrecidos antigos impérios da Europa apressam-se a receber João Lourenço, augurando novos negócios, agora sem vergonha de estarem a traficar com um ditador corrupto.

Boris Johnson, o controverso e descontrolado ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha, ao anunciar o estranho pedido de adesão de Angola à Commonwealth (a comunidade que sucedeu enquanto organização ao Império Britânico) escrevia: “Muito bem-vindo o compromisso de João Lourenço com as reformas a longo prazo, o confronto com a corrupção e a melhoria dos direitos humanos.”

Em Angola, também algumas figuras se expressam de forma favorável a Lourenço. Talvez a maior crítica pública ao presidente de Angola tenha vindo do seio do seu próprio partido, pela voz do chamado empresário Bartolomeu Dias, que representa a “velha guarda” autoritária e corrupta.

Por tudo isto, pareceria que João Lourenço tinha encetado sem tréguas uma real luta contra a corrupção e a impunidade. No entanto, a verdade é que os sinais são mistos, e tem-se vivido demasiado de discursos, enquanto as práticas revelam o recurso a amigos e a um círculo fechado de íntimos que vão ocupando os cargos de poder.

Não vamos falar dos processos criminais referentes às burlas dos dias finais da presidência de José Eduardo dos Santos. Aguardemos pelas acusações prometidas pelo procurador-geral da República.

Falemos antes do CEMEDIC e da nova presidente do Tribunal de Contas.

O CEMEDIC, Centro Médico de Diagnóstico Polivalente, Lda., foi constituído por escritura pública no 2.º Cartório Notarial de Luanda em 27 de Outubro de 1992. Os seus sócios eram a médica Maria Fernanda Dias Monteiro, com 50% do capital, o médico Ângelo Monteiro, com 20% do capital, Ana Dias Lourenço, casada com João Gonçalves Lourenço, com 20% do capital, e Exalgina Renée Gamboa, com 10% do capital. Mais tarde, em 1993, o capital social foi duplicado.

Fernanda Dias é uma médica conceituada, que foi directora nacional do Programa de Luta Contra a Malária. Muito recentemente, o seu nome foi avançado como possível candidata a Bastonária da Ordem dos Médicos.

É irmã de Ana Lourenço. Ana Lourenço é, obviamente, a primeira-dama actual.

E entra Exalgina Renée Gamboa, a outra sócia da clínica. Por despacho de 20 de Junho de 2018, Exalgina foi nomeada por João Lourenço como juíza conselheira presidente do Tribunal de Contas. É evidente que a nomeação realizada pelo presidente surge na sequência de uma proposta do Conselho Superior da Magistratura. Contudo, os procedimentos desse Conselho estão eivados de suspeitas e críticas, pelo que não podem ser considerados fundamentos bastantes para tal nomeação.

Exalgina Gamboa tem um currículo extenso, foi vice-ministra e deputada, é economista. Embora se possa defender que este Tribunal, uma vez que trata de contas, deve ter uma economista à frente, isso não é bem assim. O Tribunal não trata do mérito das contas, mas da sua legalidade. A função essencial do Tribunal é ver se a actividade financeira do Estado obedece à lei. É uma função essencialmente jurídica, que naturalmente necessitará do apoio de economistas. Numa fase de suposta transição para um sistema transparente de contas, dever-se-ia ter um/a jurista que entendesse bem os meandros legais a comandar o Tribunal de Contas.

Porém, mais importante do que esse “detalhe”, a questão que se coloca é que João Lourenço nomeia uma sócia dos negócios privados da família para presidente do Tribunal de Contas.

Em português claro, diga-se: João Lourenço nomeou a comadre como presidente do Tribunal de Contas.

Ora, mesmo que Exalgina Gamboa tivesse a maior das competências para o cargo, fica sempre um gosto amargo em ver que são os amigos e compadres que continuam a ser nomeados para os cargos. E é por isso, que ao fim do dia, não se dissipam as dúvidas sobre as reais intenções de João Lourenço. O que se verifica é a construção de uma nova base do poder lourencista assente em velhos (e novos) fiéis.

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