Para Onde Vai a Sonangol?

Estamos em Junho de 2018. Carlos Saturnino tomou posse como presidente do Conselho de Administração da Sonangol em Novembro de 2017. Passaram-se, portanto, mais de seis meses com a nova gestão da “galinha dos ovos de ouro” de Angola, para utilizar as pragmáticas palavras de João Lourenço.

Qualquer observador atento da empresa estará, neste momento, com muitas dúvidas e questões. Ninguém sabe muito bem o que fez e para onde vai a Sonangol.

 

Pontos positivos
Alguns factos são claros. A Sonangol tem, agora, uma boa comunicação. Emite comunicados de imprensa bem escritos e claros. Apresenta-se como estando em movimento. Portanto, a nível de imagem está a recuperar.

Passos positivos a assinalar são o encerramento da rota “Houston Express” da Sonair em Março de 2018. Os prejuízos eram elevados: aparentemente, mais de dois milhões de dólares por mês, e as vantagens pouco tangíveis.

Outra medida positiva é a retoma da construção da refinaria do Lobito e de Cabinda. A construção de refinarias, por si só, pode não ter racionalidade financeira no curto prazo e implicar um esforço de investimento demasiado elevado. Contudo, como projecto estratégico no médio e longo prazos é importante, desde que esteja garantida eficiência e rentabilidade das operações.

 

O alinhamento com as grandes corporações mundiais
Há ainda a assinalar o lançamento do concurso para o fornecimento de gasolina, gasóleo e gasóleo de marinha. As empresas escolhidas foram a TOTSA Total Oil Trading e a Glencore Energy UK Ltd. A primeira é uma empresa com sede na Suíça, mas que é subsidiária da TOTAL, S.A., a empresa petrolífera francesa. A Glencore é também uma empresa suíça, fundada pelo famoso Marc Rich, o americano que foi perdoado por Bill Clinton. É hoje uma das maiores companhias do mundo. Tem muitos interesses na vizinha República Democrática do Congo, tendo sido revelado pelos Paradise Papers que terá entregado ao controverso empresário Dan Gertler 45 milhões de dólares em troca da entrada nos negócios nesse país .

Actualmente, a Glencore está envolvida numa embrulhada político-legal com Joseph Kabila, no Congo.

Note-se a coincidência da escolha destas empresas e a visita de João Lourenço a Paris, dando especial atenção e fazendo o possível para que Kabila se afaste do poder. Há, obviamente, uma confluência de interesses e um alinhar das posições do Estado angolano com algumas das grandes corporações mundiais. É muito curioso continuar a acompanhar este “namoro” renovado entre Angola e as grandes empresas mundiais, para mais tarde ver os resultados.

Aliás, a Sonagol tem investido estrategicamente no reestabelecimento de boas relações com as petrolíferas mundiais (ver aqui, aqui e aqui).

 

Carlos Saturnino assina contrato com a francesa TOTAL para abastecimento de gasolina à Sonangol (15/06/2018)

A falta de contas
Contudo, há sinais estranhos. As únicas contas publicamente disponíveis da empresa são as de 2016. Nada se disponibiliza sobre 2017, nem sobre o primeiro quadrimestre de 2018. Não é possível gerir uma empresa sem contas, sem números. Há números secretos, que não são divulgados? Não se sabe exactamente qual a situação da Sonangol? A não divulgação de números indicia que continua a haver falta de transparência na gestão da Sonangol, e a falta de transparência tem sempre maus resultados, como sabemos do passado.

É o que explica que se tenha anunciado o abandono da ideia da criação da Agência Nacional de Petróleos. Tratava-se de uma boa ideia, pois era o início da “desparguetização“ da Sonangol, permitindo que cada um se focasse nas suas tarefas básicas. O estabelecimento de uma agência nacional de petróleos tinha duas vantagens estratégicas: retirava poder à Sonangol, e permitia-lhe focar-se nas suas actividades empresariais. O domínio da Sonangol deixava de corresponder exactamente ao domínio do Estado. Não se percebe bem a razão para abandonar este projecto, a não ser questões de exercício directo do poder político com base na petrolífera. Como se sabe, este foi o modelo de poder de José Eduardo dos Santos, muito bem executado por Manuel Vicente até à quase falência da empresa…

Comissão Parlamentar Especial de acompanhamento à Sonangol na Assembleia Nacional
Devia existir ao nível da Assembleia Nacional uma Comissão Parlamentar Especial de acompanhamento à Sonangol atendendo à sua importância para o país. Nessa Comissão Parlamentar seriam discutidas e analisadas as principais decisões estratégicas referentes à Sonangol. Não se venha esgrimir com a separação de poderes. A Constituição angolana não consagra a separação de poderes, mas a “separação e interdependência de funções” (artigos 2.º,105.º, n.º 3 e 236.º j). Aliás, nos Estados Unidos, onde existe um sistema presidencial com separação de poderes (também mitigada), o Congresso tem poderosas comissões que fiscalizam as acções de braços do Executivo.

É imperativo que, no universo constitucional angolano, a Sonangol deixe de ser um monstro sem controlo e esteja minimamente submetida a escrutínio. O primeiro passo é criar uma Comissão de acompanhamento junto da Assembleia Nacional.

 

Os problemas graves da Sonangol continuam
Neste momento, o dinheiro do petróleo volta a abundar. Os números oficiais de Maio revelaram que o Estado recebeu 900 milhões de dólares em receitas fiscais, voltando aos valores pré-crise 2014. No entanto, isso não deve esconder que os problemas de fundo da Sonangol não foram resolvidos. A exploração está envelhecida, a capacidade de produção obsoleta, a eficácia reduzida.

Em resumo, é necessário um investimento grande para renovar a Sonangol. Não é a única empresa estatal no mundo a debater-se com estes problemas. Do México à Venezuela, os exemplos repetem-se. Estados oligárquicos que subsistiram em demasia, assentes nas suas petrolíferas, e não investiram, confrontam-se com uma estagnação ou declínio da produção, que cria graves problemas em alturas de baixa de preço do petróleo e não permite aproveitar todo o potencial em alturas de alta do preço.

É este o desafio que se coloca à Sonangol, o desafio da modernização tecnológica, da eficiência na produção do petróleo, da gestão eficaz. E é este desafio que não se vê enfrentado.

O que se vê na Sonangol é o renovado uso da empresa como instrumento de poder essencial para os chefes angolanos.

Comentários