Isabel dos Santos na Mira de Tribunal Internacional

O Tribunal Internacional de Arbitragem dará início, a 8 de Fevereiro próximo, em Paris, ao julgamento de Isabel dos Santos e seus sócios angolanos na empresa de telefonia móvel Unitel. O Tribunal de Arbitragem é parte da Câmara Internacional de Comércio.

Em causa está a locupletação dos dividendos da Portugal Telecom Ventures na Unitel, desde 2011, já que nesse ano apenas uma parte desses dividendos foi efectivamente paga. A PT Ventures, que hoje é uma subsidiária da multinacional brasileira Oi, detém 25 por cento do capital social da Unitel, através da Africatel Holding.

Cumulativamente, as três reclamações apresentadas em tribunal atingem um valor de 3.4 biliões de dólares, o valor que Isabel dos Santos e seus sócios angolanos deverão pagar, caso percam a acção em tribunal.

Primeiro, segundo o Maka Angola soube de fonte fidedigna, são reclamados os dividendos não pagos nos últimos cinco anos, no valor de 750 milhões de dólares.

Segundo, há uma queixa específica relativa a uma transacção feita por Isabel dos Santos. A filha de José Eduardo dos Santos, de acordo com esta queixa, sacou 500 milhões de dólares da Unitel à revelia dos sócios, e concedeu-os como um empréstimo a si própria, através da Unitel International Holdings, uma empresa offshore sedeada na Holanda e por si detida exclusivamente. Ainda segundo a mesma queixa, esse empréstimo serviu para comprar acções da ZON Multimédia, em Portugal, o que permitiu a sua fusão com a empresa de telecomunicações Sonaecom SGPS, que posteriormente deu origem à criação do grupo de comunicações e entretenimento NOS.

A grande ironia é que fundos devidos à Portugal Telecom acabaram por dar origem, em Portugal, à maior rival desta mesma empresa.

Por último, há um pedido de ressarcimento das acções da PT Ventures na Unitel, que os accionistas desta empresa consideram como ilíquidas devido ao controlo político da Unitel exercido por Isabel dos Santos, a Sonangol e o general Leopoldino Fragoso do Nascimento – o testa-de-ferro José Eduardo dos Santos.

A Oi tinha conseguido o congelamento de 250 milhões de dólares que se encontravam nas contas da Vidatel, através de uma decisão judicial nas Ilhas Virgens Britânicas, onde a empresa instalou a sua sede, como já reportado pelo Maka Angola.

Entretanto, o Maka Angola apurou que Isabel dos Santos conseguiu transferir os 250 milhões de dólares sete horas antes da execução da primeira decisão do tribunal, em 2015. Novamente em tribunal, numa segunda reclamação, Isabel dos Santos confessou ter usado 175 milhões de dólares para pagamento da aquisição que fez da Efacec, em Portugal.

Quanto aos outros 75 milhões de dólares, Isabel dos Santos alegou em tribunal tê-los usado para obter os direitos de exploração de petróleo em três blocos onshore em Angola, através da sua empresa privada de petróleos, a Isoil.

Maka Angola soube ainda que os últimos dividendos recebidos este ano por Isabel dos Santos da Unitel ascendem a 193 milhões de dólares. Conforme decisão do tribunal das Ilhas Virgens Britânicas, estes fundos deviam estar congelados na conta da Vidatel, até à decisão do Tribunal Internacional de Arbitragem.

No banco dos réus estarão também a MSTelcom, subsidiária da Sonangol que detém 25 por cento da Unitel, e a Geni SARL, com igual quota. São sócios da Geni, segundo documentos obtidos pelo Maka Angola, o general Leopoldino Fragoso do Nascimento (62%), o antigo secretário do Conselho de Ministros e chefe da Casa Civil do PR, António Van-Dúnem (20%), o vogal do Conselho de Administração e da Comissão Executiva do Banco Económico, Inocêncio Francisco Miguel (2%), e Paulo Jorge Magueijo (2%).

Em caso de condenação pelo Tribunal Internacional de Arbitragem, os réus poderão ver os seus bens no exterior do país executados para cumprimento da sentença, o que poderá causar graves transtornos a Angola, sobretudo pelo envolvimento da Sonangol.

A versão da Unitel

Entretanto, através da Unitel, Isabel dos Santos vai negando as evidências. Num recente comunicado sobre o texto publicado no Maka Angola, a empresa toma as dores da sua sócia mais influente e “refuta todas as alegações feitas com referência à Unitel e a Isabel dos Santos, as quais são completamente falsas”. E adianta também que Isabel dos Santos não teve oportunidade de se defender e que não é parte no processo; que se trata de uma providência cautelar, por isso não decide sobre a matéria de fundo; e que as contas da Unitel estão devidamente auditadas.

É preciso descaramento. A peça é clara em dizer que o processo é contra a Vidatel. Contudo, a Vidatel é a empresa através da qual Isabel dos Santos participa na Unitel. Não sendo contra ela pessoalmente, é contra ela enquanto empresária, afectando no mínimo a sua reputação empresarial.

Ademais, Isabel dos Santos confessou em tribunal o destino que deu aos 250 milhões de dólares, como acima explicámos.

Quanto ao facto de se estar perante uma providência cautelar, os juristas que aconselham Isabel dos Santos sabem que, para uma providência ser decretada, geralmente é necessário aquilo que nos sistemas legais de origem romano-germânica se sumaria assim: probabilidade séria da existência do direito invocado; fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (periculum in mora); adequação da providência à situação de lesão iminente.

No caso do sistema de common law (lei comum), como é o britânico, uma ordem de congelamento tem de obedecer aos seguintes requisitos:
– O autor do processo deve ter um direito que permita uma acção judicial;
– O autor deve ter um caso bom;
– Existência de activos na jurisidição;
– Risco real de que os bens possam ser dissipados.

Ora, no mínimo, o tribunal verificou que a autora PT Ventures SGPS tinha um caso sólido e que os bens corriam o risco de ser dissipados.

Isto é muito diferente do que diz o comunicado enganador da Unitel. Quanto a auditorias, o tribunal é claro em dizer que, na altura em que decidiu, estas não existiam.

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