A Inércia Infame do Conselho Superior da Magistratura

Manuel Aragão foi nomeado presidente do Tribunal Constitucional pelo presidente da República, a 23 de Novembro de 2017. Antes, entre 2014 e 2017, fora presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A sua nomeação para este posto causou perplexidade, pois não se lhe conhecia qualquer experiência como magistrado.

Da sua biografia constam as funções de vice-ministro e ministro da Justiça, entre 1992 e 2008, e depois de embaixador (em Marrocos e na Argentina), entre 2009 e 2013. Por isso, a sua nomeação directa para a Presidência do Supremo Tribunal de Justiça causou estranheza. O que já não causou estranheza foi que o seu mandato se mantivesse apagado, sem qualquer movimento para a dignificação e independência das magistraturas, deixando que variados juízes se enredassem em comportamentos muito discutíveis, sem qualquer correcção ou punição.

Em todas as situações gravosas, Manuel Aragão, enquanto presidente do Conselho Superior da Magistratura, foi omisso.

Deixemos de lado o infame juiz Januário Domingos José, que no caso 15+2 deu um deprimente exemplo do mau funcionamento da justiça. Falemos agora do juiz José Sequeira, que acompanhou o caso Lídia Amões e prestou igualmente um mau serviço à causa da justiça. Sequeira é aliás  o juiz do caso da malária, e dá-nos motivos de sobra para acreditarmos que não há em Angola qualquer respeito pelo Estado de Direito.

Recordemos rapidamente a história. A 14 de Março de 2016, o juiz José Sequeira pronunciou Lídia Amões no âmbito do processo-crime 38/15-C e determinou a sua prisão preventiva, declarando que os ilícitos de que vinha pronunciada não admitiam liberdade provisória. Contudo, logo de seguida elencava, mas não fundamentava, as razões que levavam a decretar essa detenção: perigo de fuga e possibilidade de inviabilização da continuidade do processo. Ou os ilícitos impunham automaticamente a prisão preventiva ou era necessária fundamentação (que nunca foi dada). As duas alternativas é que não se justificavam. Na realidade, com três linhas apenas, Sequeira decidiu enviar Lídia Amões para a prisão.

Ora, a legislação que vigorava na altura (e que ainda vigora) era a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (Lei n.º 25715, de 18 de Setembro). Contudo, conforme se depreende do texto do juiz, este aplicou o artigo 10.º, n.º 2 da Lei 18-A/92 de 17 de Julho, que fora revogada expressamente pelo artigo 52.º da nova Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal.

Em suma, o juiz aplicou uma norma revogada para prender uma pessoa.

Além do mais, já tinha sido emitida uma decisão do Tribunal Constitucional de Angola, contida no Acórdão n.º 384/ 2016, referente à situação de Lídia Amões, segundo a qual as medidas de coacção aplicadas tinham excedido largamente o prazo de duração, e por isso estavam extintas. Ou seja, não era já possível declarar a prisão preventiva de Lídia Amões.

O juiz prendeu Lídia Amões com base numa norma revogada e depois de um acórdão do Tribunal Constitucional declarar que ela não podia ser presa. Pior é impossível!

Depois de várias peripécias, ao fim de três meses a prisão, Lídia Amões lá acabou por ser libertada. E muito justamente apresentou queixa ao Conselho Superior da Magistratura, na pessoa do seu presidente, o juiz conselheiro Manuel Aragão. Essa queixa visava instaurar um processo disciplinar ao juiz José Sequeira, pela conduta anormal tida no processo que a visava.

A queixa entrou em 19 de Outubro de 2016. E não obteve resposta. Nova queixa foi apresentada a 23 de Maio de 2017, e mais uma vez não existiu resposta. Finalmente, no pretérito dia 11 de Novembro, Lídia Amões renovou o seu requerimento.

A verdade é que uma pessoa que foi presa e mantida presa de forma ilegal não tem maneira de responsabilizar quem efectua tamanha arbitrariedade, porque o Conselho Superior de Magistratura, presidido pelo homem que actualmente dirige o órgão responsável por garantir a Constituição e os Direitos Fundamentais, nem sequer dá resposta.

Que confiança podemos ter nos tribunais e no poder judicial quando assistimos a actuações deste tipo? Como pode o presidente da República fazer promessas que encantam a população, quando as pessoas responsáveis pela bandalheira em que tudo se tornou se mantêm nos seus cargos sem nada fazer?

Esta é a questão que as omissões e os atrasos do caso Lídia Amões colocam.

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