O General, a Procuradora Natasha e a Burla

Os augúrios pós-eleitorais de que haverá uma alteração no estado de coisas com a mudança presidencial e a subida ao pódio de João Lourenço têm estado a cair por terra. Um sector onde é evidente que nada mudou é o da justiça.

A família do general António Francisco de Andrade constitui o melhor exemplo da continuidade estagnada dos abusos de poder e da justiça que apenas serve para garantir a impunidade dos mais poderosos e o castigo dos mais fracos.

Como prova, a 12 de Setembro passado, o Quarto Cartório Notarial de Luanda celebrou a escritura pública de transmissão de direito de superfície de um terreno de 3874 metros quadrados na Ilha de Luanda, a favor da procuradora da República Natasha Sulaia e Santos Andrade Santos. A magistrada funciona na 10a Secção dos Crimes Comuns – Violência Doméstica (Tribunal Provincial de Luanda).

Esse terreno, onde foram construídos 48 apartamentos de luxo, foi adquirido ao Estado por um valor equivalente a 400 mil dólares, em 2013, e vendido à procuradora Natasha Santos pela soma equivalente a 2700 dólares (10 milhões de kwanzas). Como se operou um tal milagre?

Na realidade, o direito de superfície do terreno pertence a uma empresa de direito angolano: Illico – Comércio e Prestação de Serviços Limitada. Aqui, de forma ilícita, o pai da procuradora, general António Francisco de Andrade, fez-se gerente, a 26 de Outubro de 2016.

A Illico é uma empresa detida a 100 por cento, em última instância, pela sociedade offshore Angola Development Ventures Holding Ltd (ADV), que, por sua vez, é detida pela Africa Growth Corporation, sedeada nos Estados Unidos da América e registada na Comissão de Valores Mobiliários (Securities and Exchange Commission).

O filho do general Andrade, Miguel Kenehele Andrade, é sócio minoritário da ADV, com uma quota de sete por cento. No texto que publicámos sobre o caso, ficou claro que, do ponto de vista legal, o general nada tem a ver com a referida empresa.

Para melhor compreender a confusão, temos de ver como a mão de um general lava a mão de outro general: foi o ex-governador de Luanda, general Higino Carneiro, quem a 18 de Janeiro de 2017 possibilitou a burla, através de um acto jurídico de autorização de transmissão do direito de superfície a favor da filha do “compadre” general, a procuradora Natasha Sulaia dos Santos Andrade e Santos.

Burla

O caso configura um crime de burla, porque estamos perante uma sociedade, propriedade de terceiros, que se vê desapossada de um bem, ainda por cima por um valor extremamente inferior, através da actuação ilícita do general e da procuradora que recebe o bem, consumando a burla.

O meio astucioso foi a falsificação de toda a documentação que levou à sua nomeação como gerente e a de ter poderes para retirar o bem da propriedade da sociedade.

Todo esse processo de burla só foi possível com a cumplicidade do Guiché Único de Empresa, que se limita a seguir as ordens de generais e de outras entidades poderosas, ao invés de cumprir o seu papel formal de verificação da fiabilidade dos documentos apresentados.

Como exposto no texto anterior, após verificação correcta dos documentos, a 26 de Junho de 2017, o conservador adjunto da segunda secção do GUE, Itula Rodrigues Manuel, decidiu pela destituição do general António Francisco de Andrade da função de gerente da Illico, através do averbamento com o registo AP. 30/170802.

Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República, dirigida por outro general, João Maria de Sousa, tem ignorado as queixas apresentadas, relativas aos abusos do seu colega de exército, general António Francisco de Andrade, e da sua subordinada, a procuradora Natasha Santos.

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