Um Grito de Socorro: Carta às Forças da Lei

Sou irmão do Valdemar Cambundo Bastos. O Valdemar foi detido no dia 8 de Agosto, por volta das 11 horas, no Bairro Rocha Pinto, Luanda, por elementos do Serviço de Investigação Criminal (SIC).

Os polícias não tinham mandado de captura, nem o meu irmão foi apanhado em flagrante delito. Depois de preso sem qualquer justificação, foi acusado de ter assaltado a casa de Manuel Santos, recém-promovido a superintendente e chefe do Sector do SIC no Distrito da Maianga.

No dia 9 de Agosto, quarta-feira, para o obrigar a confessar um crime que não cometeu, torturaram o meu irmão com um cabo de aço, uma catana e uma palmatória com cerca de 20 centímetros, e obrigaram-no a posar numa fotografia com uma arma de fogo, para justificar a detenção. Os polícias apropriaram-se ainda da sua carteira, que continha diversos documentos pessoais, valores monetários e um telemóvel.

O Valdemar foi mantido na prisão, mesmo depois de a filha do superintendente ter declarado que os jovens apresentados (detidos), perfilados, na 8.ª Esquadra não faziam parte do grupo de assaltantes avistados naquela noite.

Pelo contrário, Manuel Santos e o instrutor do SIC junto da 8.ª Esquadra, Sr. Carlos “Carlitos”, decidiram manter o meu irmão preso, em conjunto com outros jovens. O Carlitos espancou o meu irmão com murros na cara no dia 8 de Agosto, por volta das 19h. Quando foi conduzido ao procurador, o meu irmão apresentava vários sinais de tortura, com destaque para uma inflamação no braço com desvio de um dos ossos da mão direita.

O procurador, por pressão do Manuel Santos, aceitou as provas forjadas pelo SIC, mandando conduzir à cadeia de Viana os injustamente acusados e remeter o processo em fase de instrução preparatória. O jovem que citou o meu irmão afirmou que o fez por ter sido submetido a várias sevícias: arma apontada à cabeça, ameaças de morte, sacos no rosto e simulação de afogamento.

A vizinhança entristeceu-se e alguns abordaram o superintendente Manuel Santos. Para justificarem perante os vizinhos a detenção ilegal e injusta, Manuel Santos e a esposa recorreram à fotografia em que o Valdemar foi obrigado a posar com a arma de fogo.

Há sensivelmente duas semanas, a equipa de Manuel Santos deteve alguns jovens que residem na rua vizinha à do meu irmão. Numa das celas do distrito da Maianga, Santos abordou-os da seguinte forma:

“– Vocês sabem se aqueles que eu mandei à Comarca foram os que assaltaram a minha casa?”

Responderam os jovens:

“– Chefe, não os conhecemos, não conhecemos o senhor, tão-pouco a sua casa.”

Na cadeia, o que mais se ouve são os choros de Prazeres Germano “Balazo”, detido anteriormente, e que citou o Valdemar e o Nelo como participantes no crime. O Balazo, por remorso, pede perdão e alega que citou os nomes por ter sido torturado e ameaçado de morte. Diz que está disposto a contar toda a verdade sobre a inocência dos dois e as razões de os ter citado.

O meu irmão continua detido, volvidas oito semanas.

O juiz-presidente requereu o processo junto da esquadra no dia 6 de Setembro corrente, mas o procurador da Maianga não remeteu o processo ao tribunal provincial, provavelmente porque os procuradores não querem que se descubra que conduziram o processo fora da lei. Sensivelmente há um mês, o advogado requereu junto da esquadra uma acareação, mas o instrutor processual alega não ter disponibilidade. Para nosso espanto, nesta quarta-feira, dia 20, o instrutor processual deslocou-se à Comarca, onde instou os arguidos a prestarem declarações, sem o consentimento dos advogados dos dois jovens injustamente acusados – Nelo e Valdemar –, e os levou a assinarem um documento. Questionamos: como é possível o instrutor processual não tenha disponibilidade para conduzir uma acareação, mas tenha disponibilidade para inquirir os arguidos sem o consentimento dos respectivos advogados?

Entretanto, confirmei que foram encontrados os assaltantes da casa de Manuel Santos. Na sexta-feira, 15 de Setembro, Manuel Domingos Cabingano “Cabi ou 3 Barras” contou ao Nelo que ele e uns amigos entraram por engano na casa do polícia, por se encontrarem drogados naquela madrugada. Outro elemento é o Tonilson, que estranhamente se encontra em liberdade.

O meu receio é que os elementos da Investigação Criminal, incluindo o próprio Manuel Santos, nas vestes de chefe de Sector na Maianga, decidam encobrir estes elementos por causa das barbaridades que perpetraram contra os jovens indevidamente detidos. De facto, prevê-se que o “Cabi/3 Barras” possa ser transferido para a Funda ou para a CCL, com o intuito de o Senhor Santos e os procuradores obstruírem as provas que os possam comprometer.

No entanto, o “Cabi/3 Barras” já prestou declarações ao Nelo, dizendo ter roubado um televisor plasma e um telemóvel em casa de um chefe (sem citar nome) e que os bens roubados (televisor e um telemóvel) já foram devolvidos. Envergonhada por ter feito acusações falsas, em conversa com uma vizinha a esposa de Manuel Santos afirmou que retirariam a queixa:

“– Vamos retirar a queixa. Se eles afirmam não ser os autores do crime, só Deus sabe.”

Depois de todo mal que fizeram aos miúdos, depois de mostrarem fotografias encenadas à vizinhança, de os acusarem categoricamente e de inventarem até a tentativa de homicídio, Manuel Santos e a família e equipa querem fazer esquecer o caso, retirando simplesmente a queixa?!

Tudo isto é completamente imoral, cruel, criminoso. Por mais que Manuel Santos retire a queixa, iremos continuar com as denúncias, para que as práticas deste género sejam banidas das forças policiais de Angola.

Para Manuel Santos limpar a sua imagem, mandou colocar um dos verdadeiros autores do assalto – “Cabi/3 Barras” – no bloco C e posteriormente na sala de evacuação para a Funda ou CCL. Quando se aperceberam disso, os falsamente acusados interpelaram um responsável da Polícia, o qual solicitou o cancelamento da evacuação de “Cabi/3 Barras” até que este prestasse algumas declarações sobre os motivos da sua detenção.

Nos termos da lei, a atitude do superintendente Manuel Santos consubstancia uma tentativa de obstrução de provas.

Por seu lado, a Procuradoria na Maianga também não cumpre com a lei, pois não procedeu à acareação solicitada pelo advogado há mais de 28 dias, nem tão-pouco enviou o processo ao Tribunal Provincial de Luanda, conforme ordem do juiz-presidente, por solicitação do advogado de Valdemar.

Manuel Santos e a Procuradoria na Maianga têm receio de dar sequência legal ao processo. A ausência de provas que justificasse as detenções, o abuso de poder e as violências perpetradas contra os jovens inocentes podem custar-lhes uma acção criminal ou disciplinar. Por isso, têm feito o possível por obstruir a justiça, daí que tenham submetido o processo ao tribunal apenas a 28 de Setembro, quase um mês depois da ordem do juiz, emitida a 6 de Setembro.

O que andaram os magistrados do Ministério Público na Maianga (Catinton) a fazer com o processo desde que receberam a solicitação do juiz?

Só peço justiça para o meu irmão. Só peço que, em Angola, a Polícia e a Justiça cumpram a lei!

Luanda, 28 de Setembro de 2017

Walter F. Bastos

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