A Nova Lei Militar: Ignorância ou Loucura Constitucional?

Está prevista a aprovação, no próximo dia 21 de Julho de 2017, da chamada Lei sobre os Mandatos das Chefias das Forças Armadas, Polícia Nacional e Serviços de Inteligência.

É um projecto de lei curto e simples, com apenas quatro artigos. Contudo, após a sua leitura, a surpresa apodera-se do jurista mais distraído. Estamos perante uma manifestação de pura ignorância jurídica, e por isso temos uma lei mal elaborada, ou a loucura apoderou-se do presidente cessante, que está agora a tentar limitar de forma inconstitucional o novo presidente, a ser eleito em 23 de Agosto?

O artigo 1.º da futura Lei determina a duração dos mandatos das chefias das Forças Armadas e dos Serviços de Inteligência, incluindo neste conceito: o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas e dos chefes adjuntos do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, os comandantes dos ramos das Forças Armadas Angolanas, o comandante geral e os segundos comandantes gerais da Polícia Nacional, o director geral do Serviço de Inteligência Externa, o chefe do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado e o chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar. O artigo 1.º define o prazo dos mandatos em quatro anos, prorrogáveis por outro tanto. Nada de errado até aqui.

A primeira circunstância estranha encontra-se no número 4 do artigo 1.º, que confere ao presidente o poder de determinação do início dos mandatos do comandante geral e dos segundos comandantes gerais da Polícia Nacional, do director geral do Serviço de Inteligência Externa, do chefe do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado e do chefe do Serviço de Inteligência Militar.

Melhor seria que tal definição ficasse expressa na Lei e não submetida ao arbítrio do presidente. Se é elaborada uma lei de enquadramento, faz sentido estabilizar os mandatos, e não deixar a questão em aberto. Mas não é esta a questão principal.

A questão principal, e manifestamente bizarra ou inconstitucional, resulta da combinação dos artigos 2.º e 3.º do referido projecto de lei.

O artigo 2.º tem como epígrafe “Causas da cessação de mandato”, e enumera as seguintes:

a) Dedução de acusação por prática de crimes contra órgãos de soberania ou seus titulares, contra o Estado ou outros previstos na legislação aplicável;

b) Condenação, transitada em julgado, por prática de ilícito disciplinar grave previsto nos respectivos diplomas aplicáveis;

c) Detecção de incumprimento grave e reiterado de normas legais ou regulamentares que disciplinem a actividade das instituições militares, policiais e de inteligência;

d) Ter atingido o limite de idade para manutenção da situação de activo;

e) Recurso da duração máxima do tempo do mandato sem que o mesmo tenha sido prorrogado;

f) Incapacidade física permanente.

O problema que esta norma levanta é que a exoneração não consta como causa de cessação do mandato.

Quer isto dizer que o presidente da República, depois de nomear estes chefes, não os pode demitir a não ser pelas causas enumeradas no artigo 2.º?

É isto que parece indicar o artigo 3.º, o qual, com a epígrafe “Excepções”, prescreve o seguinte: “Em caso de guerra, de agressão iminente ou perturbação da ordem interna, pode o Presidente da República interromper o mandato das entidades referidas na presente Lei ouvido o Conselho de Segurança Nacional.” Mesmo sem perdermos tempo com a redacção deficiente deste artigo,- o que significa “interromper”? Na verdade, o que ele revela é que apenas em caso de guerra, agressão iminente ou perturbação da ordem interna pode o presidente exonerar os chefes livremente. Nos restantes casos, está submetido à ementa do tal artigo 2.º, o que em termos práticos quer dizer que o futuro presidente não poderá demitir, por decisão própria, os chefes, se estes entretanto forem nomeados pelo actual presidente.

Se esta interpretação estiver efectivamente correcta, então a Lei é inconstitucional. O artigo 122.º da Constituição, nas suas alíneas c) e d), é claro ao conferir ao presidente, enquanto comandante-em- chefe, o poder de nomear e exonerar o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas e o chefe do Estado-Maior General Adjunto das Forças Armadas, uma vez ouvido o Conselho de Segurança Nacional, bem como nomear e exonerar os demais cargos de comando e chefia das Forças Armadas. O mesmo acontece nas alíneas f), g) e i) do mesmo artigo relativamente às restantes chefias.

Ora, a única restrição que a CRA coloca ao poder de exoneração dos chefes por parte do presidente da República é a audição do Conselho de Segurança Nacional, que nem sequer está prescrita como vinculativa. Não coloca mais nenhuma restrição. Logo, é muito duvidoso que uma lei ordinária possa vir a diminuir os poderes presidenciais previstos e determinados pela Constituição.

Portanto, ou não era intenção do legislador ordinário diminuir esses poderes, e nesse caso deve melhorar a redacção da nova Lei e prever a possibilidade de exoneração livre por parte do presidente, depois de ouvido o Conselho de Segurança Nacional. Ou então é intenção do legislador diminuir os poderes do presidente na véspera das eleições gerais, e nesse caso há um problema constitucional que deve ser confrontado. A Lei viola o artigo 122.º, alíneas c), d), f), g) e i) da Constituição de Angola.

Mais uma vez, José Eduardo dos Santos faz da Constituição o tapete da sua casa.

 

 

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