Odebrecht Pagou a Vitória do MPLA e de Dos Santos nas Eleições de 2012
A pouco mais de três meses das eleições em Angola, surge a revelação de que a multinacional brasileira Odebrecht financiou, com 20 milhões de dólares, parte da campanha eleitoral do MPLA em 2012. A mesma campanha que, só em propaganda, teve um injustificável custo de 50 milhões de dólares.
O Maka Angola teve acesso ao documento referente ao esquema após o Supremo Tribunal Federal no Brasil ter levantado, ontem (12 de Maio), o sigilo acerca da colaboração remunerada do casal de publicitários eleitorais brasileiros João Santana e Mónica Moura, que realizaram a campanha do MPLA e, curiosamente, foram condenados no processo Lava-Jato, no Brasil.
De acordo com o documento judicial, em 2011, o ex-presidente brasileiro Lula da Silva deslocou-se a Luanda na companhia do então presidente da Odebrecht, Emílio Odebrecht. O presidente José Eduardo dos Santos manifestou-lhes o seu interesse em contratar o publicitário eleitoral João Santana e a dificuldade que estava a ter em contactá-lo.
Tanto Lula quanto Emílio Odebrecht prontificaram-se a contactar e persuadir o publicitário a fazer a campanha do MPLA. João Santana tinha realizado a campanha de reeleição de Lula, em 2006, e da eleição de Dilma Roussef para a presidência do Brasil, em 2010.
O então presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente, dirigiu a primeira reunião, em nome do MPLA, com o publicitário, na Pousada do Carmo, em Salvador da Baía. No segundo encontro com dirigentes do MPLA, no famoso Hotel Fasano, no Rio de Janeiro, a empresa Polis, de João Santana, aceitou formalmente conduzir a campanha.
Mónica Moura, mulher de João Santana, acertou então o custo do serviço com o então secretário para a Informação do Bureau Político do MPLA e actual governador do Namibe, Rui Falcão Pinto de Andrade: 50 milhões de dólares.
“Rui Falcão foi claro em dizer que poderiam pagar a referida quantia, desde que Mónica Moura e João Santana aceitassem receber da Odebrecht ao menos parte do valor”, lê-se na declaração. O referido dirigente do MPLA “frisou que, apesar de José Eduardo dos Santos querer que a campanha fosse feita por João Santana, a contratação somente seria possível se o casal aceitasse receber o dinheiro da Odebrecht”.
Celebraram-se, então, dois contratos. O primeiro entre a Polis Propaganda e Marketing Lda. e o MPLA, no valor de 30 milhões de dólares. O segundo, a que os brasileiros chamam de “contrato gaveta”, foi acertado entre Mónica Moura e o responsável da Odebrecht em Angola, Ernesto Bayard, no valor de 20 milhões de dólares. Desse valor, 15 milhões de dólares foram pagos através de uma conta offshore e cinco milhões de dólares foram entregues em espécie (dinheiro vivo) em Angola.
O objecto do contrato consubstanciava-se “na concepção, planejamento estratégico e todo o trabalho relativo à campanha publicitária do MPLA, de Fevereiro de 2012 a Setembro de 2012”. O contrato incluía também a criação, produção e gravação de programas e comerciais avulsos de televisão e rádio exibidos durante os tempos de antena do MPLA. A “criação e gestão de plataformas de comunicação (material para a internet) nas diferentes redes e concepção de peças gráficas em geral e materiais promocionais”, constava também do contrato.
Analistas em campanhas eleitorais consideram o valor do contrato um absurdo.
Que multinacionais ou entidades estrangeiras, mais uma vez, financiarão e ao arrepio da lei a campanha eleitoral do MPLA e de João Lourenço? Saberemos dentro de cinco anos.
A Vitória Eleitoral Ilícita
O jurista Rui Verde explica abaixo, do ponto de vista do direito, as leis angolanas violadas quer pelo MPLA quer pela Odebrecht.
- À data da execução dos factos, 2012, já estava em vigor a Lei n.º 36/11, de 26-12-2001, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, que nos termos do seu artigo 214.º entrou em vigor na data da sua publicação.
- Essa Lei Orgânica, no seu Capítulo III, artigos 80.º e seguintes dispõe sobre o financiamento das campanhas eleitorais. O artigo 80.º, n.º 2 proíbe expressamente o financiamento das campanhas eleitorais a organizações estrangeiras, ainda que registadas em Angola (alínea a), e a pessoas singulares ou colectivas não nacionais.
- A Odebrecht é uma pessoa colectiva não nacional. Mas, mais do que isso, a decisão de financiamento foi tomada em conluio com um governo estrangeiro (do Brasil). Portanto, temos uma decisão de financiamento da campanha do MPLA tomada em conjunto por um governo estrangeiro e uma empresa estrangeira, violando expressamente o artigo 80.º, n.º 2 da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais.
- Acresce que esta despesa não foi contabilizada nos termos do artigo 83.º, n.º 1 da mesma Lei, como devia ter acontecido, como também as contas apresentadas nos termos do artigo 84.º, n.º 1 para apreciação da Comissão Nacional Eleitoral terão sido falsas, uma vez que não incluem os 20 milhões de dólares.
- Refira-se também que a Lei do Financiamento aos Partidos Políticos, Lei n.º 10/12, de 22 de Março, proíbe no seu artigo 6.º que governos e organizações não-governamentais estrangeiras contribuam por qualquer forma para os partidos políticos.
- A legislação prevê várias sanções para o incumprimento destas disposições, na parte referente às infracções eleitorais, quer a Lei do Financiamento, a partir do artigo 11.º, quer a Lei das Eleições Gerais, a partir do artigo 162.º.
- Obviamente que tal também é fundamento para impeachment do presidente da república, que foi eleito com desrespeito manifesto das regras de financiamento, sobretudo vindas do exterior. Eventualmente, poder-se-ia conceber que eleições financiadas em tão elevados montantes por empresas estrangeiras e em clara violação da lei são nulas, devendo o Tribunal Constitucional declarar a sua inexistência.
- Note-se que, mesmo alegando que a Odebrecht operou através de alguma subsidiária angolana, tal é irrelevante, tendo em conta a relação de domínio puro da Odebrecht Brasil.