Procurador-Geral: Pior que a Mulher de César

A publicação da investigação de Rafael Marques “Procurador-geral envolvido em corrupção”, bem como das 13 perguntas que a acompanham, não obteve qualquer resposta por parte do general João Maria de Sousa.

A questão essencial colocada nessa reportagem é se o procurador-geral cumpre a lei que lhe exige dedicação exclusiva no exercício do seu cargo.

A resposta é óbvia face aos factos apresentados. E recapitulam-se os factos:

A 25 de Maio de 2011, o general João Maria Moreira de Sousa assinou, na qualidade de superficiário, um contrato de concessão do direito de superfície de um terreno, na localidade de Tango, comuna sede, município do Porto-Amboim. Processo nº 144-K/11. Esse terreno era uma parcela de terreno rural, com a área de 3HA (hectares);

A intenção expressa da obtenção do direito de superfície era para a construção de um condomínio;

Em Agosto de 2009, verificámos que o general João Maria de Sousa era sócio-administrador da sociedade Imexco, empresa ligada aos sectores imobiliário, de investimentos, importação e exportação;

Na mesma época, também obtivemos documentação que comprovava que o general João Maria de Sousa prestava assessoria jurídica, consultoria e auditoria privadas através da sua empresa Construtel, Lda.;

Exercia também a função de gerente da Prestcom – Prestação de Serviços e Comércio Geral, Lda.

Ora, a dedicação exclusiva dos magistrados é estrita e só admite excepções para questões ligadas ao ensino e à investigação científica. Não admite qualquer outra excepção.

Contudo, algumas mentes não se conformam e procuram “desculpar” a posição do PGR, afirmando que este pode deter condomínios ou outras propriedades, tentando lançar a confusão naquilo que era claro à partida. Assim sendo, vamos esmiuçar a norma jurídica.

A lei, como se referiu, determina que o exercício da magistratura deve ser feito em dedicação exclusiva, estando vedada ao magistrado qualquer actividade profissional de natureza privada, excepto o ensino e investigação científica.

Ser proprietário de um condomínio não é necessariamente uma actividade profissional. O conceito de actividade profissional implica fazer qualquer coisa para obter um rendimento. O PGR podia ter herdado o condomínio dos pais, ou tê-lo comprado antes de ser PGR. Neste caso, poderia manter a propriedade do condomínio, embora devesse entregar a sua administração a uma terceira entidade idónea.

No entanto, não é destas circunstâncias que se trata na história aqui em causa: o condomínio não é nenhuma herança, nem foi adquirido antes de o general João Maria de Sousa ser procurador.

Estamos perante uma actividade de promoção imobiliária. O PGR adquire um terreno para nele construir um condomínio, e faz isso durante o exercício do seu mandato enquanto procurador. Sejamos claros: não pode. É proibido, é ilegal.

Poder-se-á contra-argumentar que o general João Maria de Sousa adquiriu o terreno, mas que ainda não construiu lá nada. Isso é verdade, mas objectivamente consta da documentação que o intuito era construir. Há uma intenção, aquilo que se chama em direito um animus. Ironicamente, pode-se dizer (tal como o PGR alegou a propósito do 15+2) que existem actos preparatórios… para cometer uma ilegalidade, se ela não se consumou logo com a assinatura do contrato relativo ao direito de superfície. Comprar um terreno para lá edificar um condomínio, entendido este como um conjunto de habitações a serem vendidas ou transaccionadas onerosamente, é uma ilegalidade clara e imediata praticada pelo procurador-geral.

Em relação às sociedades mencionadas, a questão é muito semelhante. Pode-se admitir que o PGR seja sócio de sociedades, embora idealmente ao assumir funções devesse vender essas participações; mas já não se concebe que forme ou adquira participações em sociedades no decorrer do seu mandato.

De qualquer forma, não pode em circunstância alguma ser gerente ou administrador dessas sociedades, ou fazer qualquer género de serviço para as mesmas.

Vale a pena voltar a referir que o procurador-geral da República é o primeiro garante da legalidade no país. Logo, quando sobre a sua actuação existem dúvidas, quer dizer que não há qualquer certeza sobre o cumprimento da lei pelas autoridades angolanas. Se o chefe não cumpre a lei, quem vai cumprir?

Esta situação lembra a velha história da mulher de Júlio César.

César, ditador de Roma, tinha uma bela mulher chamada Pompeia. Certo dia soube-se que um aristocrata romano chamado Públio Clódio Pulcro se mascarou de mulher para se introduzir nos aposentos de Pompeia e tentar seduzi-la. Face a isto, César resolveu divorciar-se de Pompeia. Quando lhe perguntaram por que se divorciava, uma vez que não havia qualquer prova de traição, César respondeu “a minha mulher não deve estar sequer sob suspeita”.

A situação do PGR é bem pior do que a da mulher de César.

Neste caso, há provas de violação do princípio da dedicação exclusiva, e o procurador, tal como a mulher de César, tem de estar acima de qualquer suspeita. Assim sendo, só resta uma via: a demissão.

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