General e Vice-PGR em Negociata de Terreno

Em que circunstâncias pode um procurador usar o seu gabinete para servir de intermediário em negócios privados e repassar dinheiros retirando comissões para si? Por lei é crime, mas, na prática do procurador-geral adjunto da República, general Adão Adriano António, a impunidade é a lei.

A ocupação e usurpação arbitrárias, assim como a burla de terrenos e despejos ilegais com recurso às Forças Armadas Angolanas (FAA) e à Polícia Nacional, passou a ser moda, exibição de poder e motivo de orgulho entre os dirigentes angolanos. A ganância há muito que é a bússola dos seus actos.

Nessa senda, Maka Angola traz a lume o envolvimento do general Adão Adriano António num negócio de intermediação de um terreno de um hectare, no município de Viana, em que o proprietário acabou espoliado e sem recurso à justiça.

Em 2012, o mecânico de automóveis Mateus Francisco António João colocou à venda a sua quinta no perímetro agrícola da Sequeira do Kikuxi, por US $800 mil, na qual tinha mais de 165 mangueiras, para além de outras culturas. O Gabinete de Desenvolvimento e Aproveitamento Hidráulico do Kikuxi (GADAHKI) emitiu a 18 de Janeiro de 2010 a declaração definitiva de concessionário do terreno a favor de Mateus Francisco António João.

Para o efeito, contactou o general Adão Adriano António, a quem se refere como tio.

“Eu temia que alguém tentasse usurpar-me o terreno e julguei que, envolvendo um general a quem sempre tratei por tio, estaria seguro”, explica.

É aqui que entra na narrativa Baptista Mateus Canga, proprietário da empresa Gru Matififi, que se mostra interessado em estabelecer uma parceria para a construção de um condomínio no terreno, ao invés de o adquirir.

“Eu e o Baptista Canga reunimos várias vezes no gabinete do procurador, na procuradoria militar, para tratar do negócio de venda do meu espaço, da minha quinta. Em princípio, eu queria vender, mas nas negociações o general aconselhou-me a estabelecer a parceria”, conta. O general Adão Adriano António exerce, cumulativamente, o cargo de procurador adjunto militar das Forças Armadas Angolanas.

A comissão do general

“O general perguntou-me qual seria a parte dele no negócio. Então estabelecemos que o Baptista Mateus Canga, que construiria as casas, ficaria com 18, e eu com 10. Ele [general Adão Adriano António] elaborou o contrato com o compromisso de ficar com duas casas”, descreve o concessionário do terreno.

No contrato de parceria redigido pelo procurador militar, em posse de Maka Angola, a Cláusula 1.ª (Objecto do Contrato) especifica os benefícios do intermediário: “duas para o Sr. Adão Adriano António [dados de identificação pessoal]”.

Sem margem para equívocos, o ponto 2 da referida cláusula estabelece que “as duas T3 destinadas ao Sr. Adão Adriano António e uma T3 destinada ao primeiro outorgante deverão ser construídas em locais dispersos do referido hectare, por se reservarem à residência dos mesmos, devendo ser cobertas de telha”.

O procurador-geral adjunto da República exige também, na memória descritiva e justificativa do projecto, que as suas duas residências sejam construídas em dois pisos cada, contrariamente às restantes.

O contrato definiu o início da parceria a 30 de Janeiro de 2013 e o seu termo passado um ano exacto, com a entrega “ao 1.º outorgante das 12 T3, incluindo nestas as duas destinadas ao Sr. Adão Adriano António, devidamente prontas a habitar, mediante os respectivos termos e documentos que lhes permitirão a legalização das mesmas junto das autoridades competentes”.

Maka Angola contactou o general Adão Adriano António para ouvir a sua versão dos factos e, em resposta, este exigiu não ser mencionado, por se tratar de uma figura pública. Por dever profissional e pelo interesse público, este portal tem a obrigação de transmitir as breves palavras do procurador-geral adjunto. O general reconhece Mateus Francisco António João: “É o meu sobrinho.”

“Eu não quero saber mais desse caso. Não quero que me envolvam nesse assunto. Tira o meu nome deste assunto”, exige o general.

Ante a insistência sobre o facto de Mateus João ter ficado sem o terreno de que é concessionário e sem as casas, e ainda por cima estar sob ameaça, o general foi peremptório. “Foi por culpa dele”, argumenta, sem entrar em detalhes, e insiste na remoção de qualquer menção do seu nome no caso ora revelado.

o reclamante Mateus Francisco António João.

o reclamante Mateus Francisco António João.

Canga

Por sua vez, Baptista Canga dispara logo contra Mateus João: “Esse senhor é um bandido, desculpa dizer isso. É um bandido”, sentencia, sem explicar as razões da sua afirmação. Manifesta-se ocupado e põe termo à conversa. À segunda tentativa, por telefone, Baptista Canga insiste que só fala caso o autor deste texto se reúna presencialmente com ele e na presença de Mateus João. “Ele anda fugido e andamos à procura dele. Assim o apanhamos”, revela.

O interlocutor insiste para que Maka Angola não publique nenhuma matéria sobre o caso sem antes consultar o seu advogado, e perde-se em impropérios contra Mateus João e o “general corrupto”.

Até Novembro de 2013, as obras estavam praticamente paralisadas, pouco havia sido feito e Mateus Francisco António João encetou mais um contacto com o construtor para que o contrato fosse honrado. Baptista Canga “intimidou-me afirmando que eu não deveria pressionar porque o seu tio é o Sr. Pedro Canga, ministro da Agricultura [exonerado há dias], e o assunto chegaria até ao presidente da República”, denuncia o concessionário.

Os incumprimentos do sobrinho de Pedro Canga deram lugar a vários encontros no gabinete do procurador adjunto militar das FAA e num hotel situado na Via Expresso, sem solução satisfatória para o proprietário do terreno.

A 23 de Maio de 2014, Mateus João dirigiu-se ao seu terreno, com o intuito de o recuperar até que Baptista Canga se dignasse a falar com ele sobre os seus incumprimentos. Denuncia que vários agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC), fortemente armados e comandados por um Carlos Gomes, sob instruções de Baptista Canga, detiveram-no enquanto se encontrava no seu próprio terreno e o conduziram à esquadra do Kilamba. Mateus João recorreu ao general Adão Adriano António, através de um telefonema, e este, conta, interveio junto da procuradora local, também por via de um telefonema, e conseguiu a sua soltura. “Foi o motorista do general quem me foi buscar à esquadra”, especifica.

Falhado o recurso ao sistema judicial, “o Baptista Canga ameaçou matar-me, dizendo que tinha indivíduos preparados para agarrar-me e à minha família e que ninguém verá o meu corpo”, denuncia Mateus João.

Afirma ter apresentado queixa contra o ameaçador e exibe as notificações do Serviço de Investigação Criminal.

“Durante duas semanas fui ao Serviço de Investigação Criminal. Por último, o investigador informou-me que eu não tinha nada que exigir o andamento do processo e que abandonaria o caso. Assim foi”, alega.

“Agora sou considerado como invasor do terreno”, conclui.

General muda de lado

Em Dezembro de 2014, Baptista Canga e o general Adão Adriano António comungaram outros interesses. “O general chamou-me ao seu gabinete, na Procuradoria Militar, para obrigar-me a assinar um documento a que ele chamou de Compromisso de 3 de Dezembro de 2014”, relata Mateus João.

“No encontro, o senhor Baptista pediu desculpas por me ter ameaçado de morte e por ter ordenado a minha detenção”, refere.

Insatisfeito, o mecânico diz ter recebido o documento apenas para partilhar com a esposa do general e mostrar como este traíra a sua admiração e respeito. “A própria esposa ficou exaltada quando viu o que o marido estava a fazer e aconselhou-me a não assinar e que falaria com ele.”

A nota de compromisso redigida pelo general invoca o pedido de desculpas de Baptista Canga pelo atraso na construção do condomínio e reitera o facto de estar “ciente de que deve indemnizar a outra parte no valor de USD $800 mil, conforme consta do contrato”.

“Pela demora havida com o parceiro Mateus Francisco António João, dá-lhe uma ajuda de 4.000.000.00 de KZs [kwanzas] para compensar algumas despesas que tem”, refere o documento. Com essa “ajuda”, o compromisso redigido pelo general obrigava o concessionário do terreno a receber dez casas inacabadas, mais duas prontas a habitar, para si e para o general Adão Adriano António. Suspenderia também o seu direito contratual de exigência de US $800 mil de compensação, e o terreno de volta até Julho de 2015.

Mateus João alega que o general lhe telefonou, exaltado por ter levado o caso à sua mulher e por se ter recusado a assinar o documento.

A 9 de Dezembro, ambos voltaram a encontrar-se na Procuradoria Militar. O general Adão Adriano António, conta o lesado, retirou da sua gaveta a quantia de três milhões de kwanzas e entregou-a a Mateus João. O termo de entrega, escrito e assinado pelo punho do general e em posse do Maka Angola, é claro: “(…) procedi à entrega de AKZs 3.000.000.000 ao Senhor Mateus Francisco António João. Entreguei: Adão Adriano António.”

Diligente, o procurador-geral da República também anexou o termo de entrega que lhe foi emitido por um funcionário de Baptista Canga, Osvaldo Martins: “Aos 3 de Dezembro de 2014, nesta cidade de Luanda, a Grama Fifi [Gru Matififi] , entregou KZs 3 800 000 a favor do Senhor Mateus Francisco António João, ficando por entregar KZs 200.000.00 até ao dia 10 de Dezembro de 2014.” Assina: “Recebi: Adão Adriano António”.

Tendo em conta os incumprimentos do empreiteiro, o dinheiro deveria servir de compensação para os danos causados ao concessionário do terreno. O procurador-geral adjunto ficou com um milhão de kwanzas como comissão pelos danos, na sua qualidade de intermediário, medianeiro ou consultor jurídico de ambas as partes.

A cláusula 4 do contrato celebrado estipula que, havendo incumprimentos por parte de Baptista Canga, Mateus João poderá rescindir o contrato, com aviso prévio de 30 dias. Como consequência, Baptista Canga ficará obrigado “a indemnizar o 1.º outorgante, no dobro do valor do terreno, pelos prejuízos que causar, em decorrência da rescisão do contrato”.

A impunidade do procurador

Rui Verde, analista jurídico do Maka Angola, considera ilícita a intermediação lucrativa do procurador-geral adjunto da República, general Adão Adriano António, no negócio entre Mateus João e Baptista Canga.

Explica que os procuradores militares integram, por força determinante da Constituição, a Procuradoria-Geral da República e, para o efeito, sujeitam-se ao Estatuto do Ministério Público. “Os procuradores em serviço efectivo não podem exercer qualquer outra actividade, seja pública ou privada, por si, ou por interposta pessoa, a não ser funções docentes e funções de investigação científica”, refere o jurista, citando artigo 116.º do referido estatuto.

“Por isso, definitivamente, um procurador-geral adjunto da República e, ao mesmo tempo, procurador-adjunto militar das FAA não pode fazer intermediação de negócios no seu gabinete (ou fora dele) e repassar dinheiros”, conclui Rui Verde.

Resumindo, o Posto de Comando Unificado, afecto à Região Militar de Luanda, interveio para escorraçar Mateus João do seu próprio terreno, que este pretendia recuperar, colocando um guarda seu no local.

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