Política Petrolífera: Regime Impede Aposta na Refinação
No seu artigo O Golpe da Sonangol e a Crise dos Combustíveis à Vista, Rafael Marques identifica as burlas associadas à política petrolífera angolana e o seu profundo impacto na economia nacional.
Este texto debruça-se sobre o tema da refinação do petróleo, ou melhor, da não refinação do petróleo e sobre a relação entre a inexistência de refinação e o general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino” e seus associados no Palácio Presidencial.
A pergunta que se coloca é muito simples: por que é que o segundo maior produtor de petróleo em África tem de importar cerca de 80% do combustível que consome?
Em Angola há uma única uma refinaria em funcionamento, a de Luanda, que assegura cerca de 20 porcento do mercado interno. Esta refinaria foi construída em 1955, em plena época colonial, e, segundo dados de Junho de 2015, opera apenas a 70 porcento da sua capacidade.
Num relatório do FMI de 2015 sobre o sector dos combustíveis em Angola considera-se que a realidade desse sector em Angola é “bastante ineficiente” e tem custos de produção muito elevados.
A esta constatação adiciona-se o argumento de que o custo de construção e manutenção de uma refinaria em Angola seria três vezes mais caro do que na Europa ou nos EUA, para justificar que não seria rentável refinar o petróleo em Angola e defender a importação de combustíveis.
Apesar disso, a Sonangol lançou-se numa política de construção de refinarias, abrindo concursos para construções em Benguela, Zaire e Bengo. Estas refinarias entrariam em funcionamento em 2017/2018, mas, segundo o texto de Rafael Marques e as fontes por ele consultadas, têm havido variados obstáculos internos que impossibilitam a concretização desse objectivo. Explicar-se-á mais adiante porquê.
O facto é que, em Angola, o chamado sector downstream do petróleo (refinação e distribuição) está pouco desenvolvido.
Mas não tem de ser assim, como bem o demonstra o exemplo da Galp, em Portugal. O sector de refinação da Galp assenta nas refinarias de Sines e Matosinhos. Estes dois pólos têm uma margem de 7,3 dólares por barril, sendo a refinação a área que mais tem contribuído para o aumento dos lucros da empresa, que é a maior de Portugal.
Portanto, se em Portugal, país pouco vocacionado para os assuntos petrolíferos, se consegue tornar uma empresa muito lucrativa à custa da refinação de petróleo, não se encontra razão para que Angola, país onde existe um excepcional know-how sobre o tema, não o consiga fazer.
Vale a pena também analisar o caso da Arábia Saudita.
A Arábia Saudita, além de ser um dos maiores produtores de petróleo do mundo, tornou-se a quarta maior potência na área da refinação. É através do negócio da refinação que a Arábia Saudita consegue manter elevados níveis de lucro mesmo quando o petróleo bruto está mais barato. Para isso, basta-lhe aumentar a oferta de combustível refinado, beneficiando do aumento da procura.
Esta estratégia da Arábia Saudita é idêntica à de diversas empresas internacionais de petróleo, como a ExxonMobil.
A Arábia Saudita torna-se assim pouco permeável às descidas do preço do petróleo bruto, uma vez que, quando este desce, os preços da gasolina e do gasóleo também descem, aumentando os níveis de procura de combustível. Os sauditas beneficiam então do alargamento do mercado dos refinados, o que compensa a quebra do valor da matéria-prima. É por esse motivo que, previsivelmente, a Aramco Trading (Empresa dos Petróleos da Arábia Saudita ou, em termos simples, a Sonangol da Arábia Saudita) terá muito em breve cerca de dois terços da sua actividade focada em produtos como o gasóleo, a gasolina e o combustível para aquecimento, relegando apenas um terço para o petróleo bruto.
É evidente que foram necessários vários anos de investimento e uma estratégia coerente e sólida para alcançar esses objectivos. Enquanto os membros da OPEP lutam por uma participação de mercado do petróleo bruto, as refinarias da Aramco constituem uma saída natural para os seus dez milhões de barris de petróleo por dia (bpd) de petróleo bruto.
Isto é importante porque, ao contrário do mercado bruto — que está a encolher —, o mercado do produto está a tornar-se mais global.
Segundo estimativas da agência financeira Reuters, a recente derrocada do preço do petróleo bruto catapultou a refinação para um patamar lucrativo superior (aliás, basta ver o exemplo da Galp portuguesa); em 2015, a negociação e a refinação representaram 60% dos ganhos das companhias petrolíferas mundiais integradas, contrastando com os 18 por cento do ano anterior.
Os sauditas beneficiam de um mercado muito mais amplo porque competem globalmente, através da diversificação vertical (ou seja, desenvolvendo actividades nas diferentes etapas da cadeia de valor).
Pelo contrário, os produtores de petróleo que não têm um sector de refinação desenvolvido, como Angola, perdem efectivamente as margens de lucro para as refinarias, sejam elas as árabes, portuguesas ou chinesas.
Prejudicar para ganhar
Em Angola, montou-se um lucrativo negócio de importação e distribuição de produtos petrolíferos refinados. Através desse negócio, amplamente subsidiado pelo Estado, ganham os intermediários e perde a economia, que acumula ineficiências e não cresce de forma sustentada.
No meio desse negócio encontra-se a trading Trafigura. A Trafigura Beheer BV é uma empresa de negociação de mercadorias com sede na Holanda. Foi criada em 1993 e é a terceira maior comercializadora privada de petróleo e metais do mundo, depois da Vitol e da Glencore.
A empresa foi fundada por Claude Dauphin, um protegido de Marc Rich, o negociante acusado nos EUA por 50 crimes e perdoado por Bill Clinton, no último dia do seu mandato como presidente dos Estados Unidos.
É uma empresa polémica que esteve envolvida num escândalo da Costa do Marfim ligado ao depósito ilegal de lixos tóxicos, e ao escândalo iraquiano do programa “Petróleo por Alimentos”, entre outros. Tal não a impede de ser uma das maiores companhias do mundo.
A Trafigura associou-se ao general Leopoldino do Nascimento – o testa-de-ferro do presidente José Eduardo dos Santos – ao Manuel Vicente e ao general Kopelipa para desenvolver vários negócios em Angola, entre eles, e com muita relevância, o da importação de petróleo refinado. Segundo as informações obtidas por vários investigadores (Rafael Marques em especial, para além de Michael Weiss e Marc Guéniat), os negócios entre o general Leopoldino e a Trafigura processam-se através de uma empresa sedeada em Singapura, denominada DTS Holding. O general Dino detém 50 porcento dessa empresa através de outra empresa chamada Cochan (de que Dino é chairman e director-geral), acumulando as funções de director com o mencionado Claude Dauphin, que entretanto morreu de cancro, no final de 2015.
É esta parceria — 50 porcento do general angolano, 50 porcento da multinacional holandesa operacionalizada pela DTS de Singapura — que, desde 2009, tem fornecido a Angola todos os derivados de petróleo refinado necessários ao mercado interno, nos termos do inquérito levado a cabo pela organização suíça Berne Declaration.
Há portanto uma razão muito forte para não existirem mais refinarias a funcionar em Angola e para não se tomar a estratégia saudita como exemplo a seguir. É que o negócio da importação de petróleo refinado vale biliões e está nas mãos do general Dino (e dos seus associados do Palácio Presidencial).
Ah! os subsídios do Estado
Mas não é só na intermediação internacional que o general e os seus associados ganham dinheiro. Também beneficiam, e muito, do subsídio aos combustíveis que é mantido em nome do povo.
O Relatório do FMI publicado em Fevereiro de 2015 levanta o véu ao explicitar que, segundo os padrões internacionais, as margens internas em que os subsídios se baseiam são elevadas, o que inflaciona esses subsídios e o respectivo peso orçamental.
O truque aqui é simples. As autoridades angolanas definem o valor dos subsídios como a diferença entre o preço de venda e o preço internacional, aumentado pelas margens internas para produtos refinados. Em vez do preço internacional, as autoridades usam um preço de referência que corresponde ao preço orçado para o petróleo bruto, aumentado por uma margem de refinação fixada por decreto (12,5 porcento em 2014). Isto quer dizer que as companhias que importam e distribuem os combustíveis são subsidiadas pelo Estado a um valor acima do mercado. Como acima se mencionou, a margem da Galp, que lhe permite obter um lucro imenso, é de 7,3 porcento. Ora, a margem paga pelo Estado angolano é quase o dobro.
Assim, os subsídios acabam por ter uma magnitude artificial, colocando-se acima do mercado. Além disso, os produtos combustíveis, que deveriam sujeitar-se ao mesmo regime de imposto dos outros bens de consumo, estão isentos de impostos sobre o consumo e de direitos aduaneiros.
Analisando o sector petrolífero downstream (refinação e distribuição), é notório que este tem como grande beneficiários o general Dino, José Eduardo dos Santos e seus associados palacianos. Recebem por dois lados: pelo valor da intermediação e por um subsídio atribuído a preços acima do mercado, acrescido da isenção de impostos.
Como num filme de Hollywood, “melhor é impossível”.
Obviamente, estamos perante a institucionalização daquilo que Rose- Ackerman chama de regime cleptocrático, em que a direcção política do país actua como um grupo de “bandidos estacionários” (Mancur Olson), cujo objectivo é maximizar os seus lucros pessoais, e nunca proteger o interesse nacional.
Dito de outra forma, o sector do petróleo angolano não está montado segundo critérios de racionalidade económica.
A racionalidade a que obedece a estruturação do sector do petróleo é a de garantir lucros aos chefes do regime, através da manutenção de ineficiências de mercado e de restrições da produção. As políticas que têm sido seguidas não procuram melhorar o bem-estar do país, mas sim gerar ganhos acrescidos para José Eduardo dos Santos e sua família, através do general Dino e seus associados.