Brincadeiras no Tribunal Supremo: O Caso da Libertada Detida

No dia 19 de Julho de 2016, o Tribunal Supremo publicou, na Tabela de Autos, a decisão referente ao julgamento do Habeas Corpus n.º 648 requerido por Lídia Amões há uns meses atrás, que já tinha obtido uma espécie de concordância tímida por parte do Ministério Público.

Nessa Tabela, pode ler-se em letra cursiva do secretário da câmara criminal do Tribunal Supremo o seguinte:

“Defere Dando provimento ao pedido de H.C. [Habeas Corpus] devendo o requerente ser restituído à liberdade provisória mediante Termo de Identidade e Residência.”

Simples e claro. O Tribunal Supremo decidiu e anunciou publicamente a sua decisão: Lídia Amões devia ser libertada.

Contudo, hoje, dia 30 de Julho de 2016, decorridos onze dias, Lídia Amões continua presa.

Que se saiba, o mandado de soltura não foi emitido. Não se conhece o acórdão que decidiu o Habeas Corpus. É como se a Tabela não tivesse sido publicada e os juízes não tivessem decidido.

Este processo de Lídia Amões servirá de exemplo literário da bizarria judicial. Primeiro, citou-se um morto, o seu irmão Azeres Amões, para ser preso. Agora prende-se uma libertada.

Entretanto, têm surgido comentários nas redes sociais segundo os quais o conselheiro-relator Martinho Nunes, do Tribunal Supremo, não terá concordado com a decisão, razão pela qual não terá escrito o acórdão, tentando em vez disso fazer com que os colegas voltassem atrás e mantivessem Lídia Amões detida. Outros afirmam que estava em preparação uma segunda decisão revogando a primeira.

Em termos legais, nada disto é possível. O poder jurisdicional do tribunal, de qualquer tribunal, esgota-se com a decisão. Tomada a decisão, acabou o poder.

Quer isto dizer que, salvo nos casos em que a lei prevê a possibilidade de o juiz rectificar a sentença, o seu poder jurisdicional esgota-se por imperativo jurídico. Por exemplo, um juiz não tem poder legal para anular uma sentença por si proferida, pois o seu poder esgotou-se nessa própria sentença.

Essa ausência de poder de jurisdição, por se tratar de vício essencial da sentença ou despacho, determina a invalidade do acto (da segunda decisão). Não constitui uma nulidade stricto sensu, mas sim uma inexistência jurídica da decisão. Quer isto dizer que qualquer segunda decisão que venha a ser proferida pelos mesmos juízes é inexistente.

A actividade jurisdicional é diferente da actividade administrativa. Nesta última, pode haver decisão seguida de revogação ou modificação.

Nos tribunais, toma-se a decisão, e esta só pode ser “mexida” por efeito de recurso a outro tribunal. Não pode existir recurso no Habeas Corpus, sob pena de se esvaziar o sentido e alcance desse mecanismo jurídico.

Obviamente, os colendos conselheiros, do Tribunal Supremo, sabem isto bem melhor do que nós no Maka Angola. Portanto, vamos assumir que Lídia ainda está presa porque os senhores juízes tomaram uma decisão sem terem escrito o acórdão, e agora não se entendem sobre quem deve escrevê-lo. Sendo grave, esta decisão não é inédita nos sistemas judiciais de influência portuguesa, e apenas exige trabalho.

A alternativa para explicar esta trapalhice é de âmbito político, e resume-se em poucas palavras. O poder político deu ordens para mudar a decisão, e agora os juízes têm de dar uma cambalhota enorme. Nesse caso, estaríamos perante uma situação de enorme gravidade, que implicaria a reacção veemente das opiniões públicas nacionais e internacionais.

Aquilo que este caso de Lídia demonstra para além de qualquer dúvida é que a justiça em Angola continua a ser uma farsa, não se podendo confiar nela.

 

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