O Hipermercado de Isabel dos Santos e as Cortinas de Fumo

Isabel dos Santos inaugura hoje o seu primeiro hipermercado em Angola (Candando), Isabel dos Santos vai fazer um filme, Isabel dos Santos quer ser presidente. Tudo isto é muito interessante, mas não passa de cortinas de fumo. Cortinas de fumo que obscurecem a percepção dos factos reais, radicais e profundos.

Importante é perceber os famosos negócios de Isabel, a sua origem, o seu. É este o nosso trabalho: descobrir os factos e proceder a uma análise daquilo que representam.

A conclusão a retirar do manancial de material exposto após diversas investigações aos negócios de Isabel dos Santos é a existência de um padrão de actuação idêntico, que assenta numa ligação umbilical, directa e clara entre o Estado angolano e a filha do presidente José Eduardo dos Santos. Não há negócio fundamental em que os dois não surjam em parceria, e também em que por algum “milagre” a parte pertencente ao Estado angolano acabe por ser tomada como propriedade de Isabel dos Santos e representada por esta, pelo menos em termos de percepção pública.

Vejamos três casos de investimentos em Portugal, talvez os mais importantes: GALP; NOS; EFACEC.

A GALP define-se como o “único grupo integrado de produtos petrolíferos e gás natural de Portugal, com actividades que se estendem desde a exploração e produção de petróleo e gás natural, à refinação e distribuição de produtos petrolíferos, à distribuição e venda de gás natural e à geração de energia eléctrica”. Apresenta um volume de negócios superior a 17 biliões de euros. É a maior empresa de Portugal.

Isabel dos Santos obteve uma participação na GALP em 2005, integrando-se na holding de Américo Amorim, a Amorim Energia, que detém cerca de 38 por cento da empresa. Por sua vez, uma empresa chamada Esperaza detém 45 por cento da holding de Américo Amorim. É nessa Esperaza que Isabel dos Santos terá 45 por cento e a Sonangol 55 por cento. O que temos aqui? Uma parceria entre Isabel dos Santos (filha-presidente) e a empresa estatal angolana Sonangol (directamente dependente do pai-presidente). Sejamos claros: em termos substantivos, estamos perante uma parceria entre pai e filha para entrar na GALP. Assim se deu a entrada de Isabel dos Santos na maior empresa portuguesa. Em 2005, o valor próprio com que Isabel dos Santos teria entrado será bastante superior a 400 milhões de euros. Onde foi buscar tanto dinheiro? Não será certamente resultante da venda de ovos ou da exploração do restaurante Miami na ilha de Luanda!

A GALP

Este é o primeiro negócio: GALP, uma parceria entre Isabel dos Santos e a Sonangol. Origem dos fundos de Isabel dos Santos: desconhecida.

A NOS

Passemos ao segundo negócio, o da NOS. A NOS é um grupo de comunicações e entretenimento português, resultante da fusão, em 2013, de duas das maiores empresas de comunicações do país: a ZON Multimédia e a Optimus Comunicações. A ZON pertencia a Isabel dos Santos.

Em 2009, Isabel dos Santos comprou 10 por cento da ZON por 160 milhões de euros, através de uma empresa denominada Kento. Depois, em 2012, reforçou a sua posição na ZON através da compra de acções pertencentes à Telefónica espanhola. Agora, foi usada uma empresa chamada Jadeium. Ainda no mesmo ano, Isabel dos Santos compra a posição do banco português Caixa Geral de Depósitos na empresa, tornando-se assim a maior accionista da ZON. Esta aquisição foi realizada pela Jadeium.

Também em 2012 começam as negociações para a fusão entre a ZON, controlada por Isabel dos Santos através da Jadeium e da Kento, e a Optimus, propriedade de Belmiro de Azevedo. Em 2013, essa fusão concretiza-se. Isabel dos Santos fica com 50 por cento de uma empresa chamada ZOPT que controlará 50,01 por cento da NOS. Os outros 50 por cento pertencem à SONAE.

A decomposição deste esquema, embora ofereça algumas dificuldades devido às várias sociedades envolvidas e à deliberada utilização de marcas idênticas para companhias diferentes, não é impossível. Comecemos pela Jadeium (pertença de Isabel dos Santos), que interveio na compra das acções à Caixa Geral de Depósitos (CGD) portuguesa e à Telefónica espanhola, empresa que permitiu o grande salto de Isabel dos Santos na ZON. Rafael Marques de Morais, na sua investigação publicada aqui, deixa as pistas para se inferir o modelo de financiamento utilizado para essa compra. Descobriu-se a existência, em 2012, de um empréstimo de US $256.1 milhões, que a empresa de comunicações móveis Unitel S.A. concedeu a Isabel dos Santos, sua accionista. Segundo as denúncias feitas pela Portugal Telecom (talvez fazendo jus ao velho ditado “zangam-se as comadres, sabem-se as verdades”) os empréstimos foram concedidos em duas fases, entre Maio e Outubro de 2012, à Unitel International B.V., registada no paraíso fiscal da Holanda. O curioso é que a Unitel Internacional B.V. resulta da alteração do nome da Jadeium B.V., empresa constituída a 4 de Maio de 2012, na Holanda, por Isabel dos Santos. Passado um mês, a 12 de Junho de 2012, a Jadeium adquiriu directamente, à CGD, um total de 10.96 por cento das acções que esta detinha na Zon Multimédia.

O modo de actuação repete-se, estamos perante um padrão. As empresas de Isabel dos Santos são “conchas vazias”, não têm capital, constituem apenas veículos de transferência de fundos. Os fundos aparecem sempre ligados, directa ou indirectamente, neste caso à Sonangol. Portanto, a Jadeium, que compra parte da ZON, foi financiada pela Unitel de Angola, que por sua vez é controlada pela Sonangol e por Isabel dos Santos em parceria.

A Kento Holding Limited, registada em Valeta, Malta, detida a 100 por cento por Isabel dos Santos e cujo presidente é Mário Filipe Moreira Leite da Silva, também dirigente da Santoro, é a outra entidade que surge nos negócios da ZON. Não existe informação disponível sobre a mesma, pelo que se presume que será uma sociedade veículo que não gera rendimentos nem tem fundos próprios.

A EFACEC

Falta encarar a questão da compra da EFACEC, que está a ser investigada pela Comissão Europeia. Na EFACEC, o padrão, mais uma vez, é idêntico. Surge uma empresa sem movimento nem capital, agora a Winterfell, com sede em Malta, que adquire a EFACEC. Pouco tempo depois, sabe-se que esta empresa pertence a Isabel dos Santos e à empresa estatal eléctrica angolana, ENDE, que terá fornecido uma boa parte dos fundos. Portanto, novamente: o Estado angolano, por intermédio das suas empresas públicas, está aliado a Isabel dos Santos e parece ser a origem dos fundos para as aquisições, pois as empresas de Isabel dos Santos nunca são nada, a não ser papéis com nomes estrangeiros.

Os pontos a reter desta análise:

1) As sociedades utilizadas por Isabel dos Santos para a compra das posições na GALP, na ZON e na EFACEC são sociedades sem capital nem objecto produtivo, constituindo apenas veículos de transmissão de fundos. Portanto, servem para apagar o rasto do dinheiro. Este pode ter origem na pessoa de Isabel dos Santos ou noutro local qualquer.

2) Surgem sempre, directa ou indirectamente, empresas estatais angolanas associadas às aquisições de Isabel dos Santos. Essas empresas dependem sempre do seu pai, e presidente do país, José Eduardo dos Santos (artigo 120.º da CRA).

3) Em concreto: na GALP, a Sonangol está associada a Isabel dos Santos; na ZON, a Unitel (detida maioritariamente pela Sonangol e por Isabel dos Santos) emprestou-lhe o dinheiro para a compra de boa parte desta empresa; na EFACEC, há suspeitas de que a compra tenha sido, pelo menos em parte, financiada pelo Estado angolano.

Além dos aspectos legais que se colocam de interacção entre os dinheiros públicos e privados, entre o Estado angolano e Isabel dos Santos, há uma outra questão, que é a da autonomia financeira de Isabel dos Santos.

Se os investimentos de Isabel dos Santos foram feitos com empréstimos ou fundos públicos, estes são devolvidos à procedência? E, se o são, isso já aconteceu? Contabilizam-se juros? Qual a real situação financeira, enquanto pessoa individual, de Isabel dos Santos? É possível deslindar e distinguir da posição da Sonangol e do Estado angolano?
    

 

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