Ouro Nazi Cravejado Com Diamantes de Sangue
Quando em Portugal se investiga um colossal caso de corrupção com os arquivamentos de processos que envolvem altas figuras angolanas, é preciso um grande despudor para vir a público dizer que é necessário por fim à “tendência para a judicialização” das relações entre Portugal e Angola. É preciso tanto mais nervo quando o autor destas declarações foi nos últimos cinco anos Ministro dos Negócios Estrangeiros e Vice Primeiro Ministro de Portugal. É claro que o Futungo de Belas gostou. Muito. Paulo Portas foi imediatamente aclamado pelo Jornal de Angola, como sendo “um dos políticos portugueses de referência” pela sua “clarividência” na maneira adequada de “conduzir relações entre Estados”.
Outro jornal de Angola, o Diário de Noticias, publicou um editorial no mesmo sentido. Em Lisboa. Portas fez esta sua profissão de fé na Realpolitik depois de uma curta visita a Angola, no rescaldo da derrota eleitoral do CDS, para abrir caminho para o influente lugar que hoje ocupa na Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, e para contactar já com o General João Lourenço, o sucessor actual de José Eduardo dos Santos, porque em Angola esta coisa do resultado das eleições tem que ser decidida com uns anos de antecedência.
Juntou-se à falta de vergonha de Cavaco Silva e Passos Coelho quando em Timor, na ultima cimeira da CPLP, acolheram a entrada da Guine Equatorial, que nada tinha a ver com lusofonia e é um paria internacional. Mas tinha tudo a ver com dinheiro. Uma promessa de entrada de capital no BANIF que estava a falir e ameaçava as contas públicas portuguesas. Cavaco e Passos calaram-se. O dinheiro não veio. o BANIF faliu. As nossas contas públicas são o que são. A CPLP ganhou um parceiro à força que nem português fala, que agora vota contra a presidência portuguesa da organização que Portugal fundou, e cuja identidade com o grupo se limita a ser, tal como Angola, uma feroz ditadura sem fim à vista.
Esta deriva Westphaliana de Portas, que (agora) parece sustentar a sua filosofia de relações internacionais no mesmo principio de não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, vai dar mau resultado. Já deu péssimo resultado durante o apartheid em que os governos de Soares e Cavaco se abstiveram de condenar sequer a prisão de Nelson Mandela, mantendo à distancia contactos com o ANC, por causa dos portugueses que lá viviam. Vinte anos passados os portugueses que querem estar na África do Sul ainda lá estão, mas as nossas relações com Pretoria sempre foram medíocres desde a democratização do país. O Presidente Nelson Mandela chegou mesmo a expulsar um Embaixador de Portugal por um pretexto menor. Agora esta reincarnação de Paulo Portas, promotor-empresarial-extraordinaire, propõe ao país um pacto faustiano com as realidades angolanas. Quer que se ignore uma das piores mortalidades infantis do mundo e uma das mais baixas esperanças de vida de África, na miragem de que a hábil finança de Isabel dos Santos consiga dar a volta aos castelhanos que ameaçam conquistar os bancos nacionais. Pessoalmente, acho que se a escolha é entre o controlo financeiro de Portugal por uma democracia da Europa comunitária ou pelo capital dos oligarcas, que precisa de lavagens constantes e nunca fica realmente limpo, havendo mesmo que escolher, então, em nome da decência, por favor, deixem entrar os espanhóis. Já.
É curioso que Salazar sempre fez as mesmas trocas de decência por dinheiro vivo que Portas vem propor. Salazar aceitou pagamentos em ouro nazi espoliado em Auschwitz e Birkenau. A verdade é que é um preço demasiado alto hipotecar a decência de um país a rendimentos do petróleo, na mão de uma família de oligarcas, e aos lucros dos diamantes de sangue arrancados ao solo de um dos mais ricos países do mundo por populações escravizadas. É tão horrível como foi nos anos 40 aceitar ouro extraído de próteses dentárias esgravatadas nas cinzas dos fornos crematórios. É por isso que a proposta de Portas é realmente indecente.
*Publicado no Sol, edição de 19 de Março de 2016.