A Tristeza de Ser Leal ao Regime

Estando fora do país, pelo que li e ouvi, fico com a impressão de que se está a criar em Angola uma bomba-relógio. A sequência de acontecimentos bombásticos assim o parece indicar. Mas não sou dos que se julgam capazes de fazer um julgamento definitivo sobres os últimos acontecimentos que têm dominado a nossa opinião pública nacional e também a internacional.

São os casos judiciais dos 15+2 e o Kalupeteka. São os descalabros económicos em tempo de crise, da compra de um avião de luxo à compra de apartamentos luxuosos para membros do governo, passando pela entrega descarada de contratos multimilionários pelo presidente à sua filha Isabel dos Santos, incluindo o Plano Director da Cidade de Luanda.

O país parece mergulhado numa onda imparável de acontecimentos políticos que deixa todos com os nervos à flor da pele. Ou seja, a sociedade em geral parece encontrar-se num estado de efervescência.

O que me acalenta é o facto de, apesar de se pensar que o país ainda vive num regime de ditadura, haver reacções a favor e contra tudo o que acontece, o que, salvo melhor opinião, é um bom sinal. É sinal de que a democracia, quer queiramos quer não, tende a abrir caminhos, mesmo contra a corrente da dita ditadura. As vozes dissonantes, por diminutas que sejam, representam sempre uma lufada de ar fresco aos pulmões que se comprimem e se contraem de medo e de insegurança face ao que o dia seguinte reserva aos angolanos, que se tornaram dependentes do “deixa andar”.

Devemos, em primeiro lugar, manter o respeito entre nós: governantes e governados devem-se sentir respeitados uns pelos outros. A luta política e democrática tem os seus limites, e ninguém deve sentir a sua dignidade afectada a pretexto de uma qualquer liberdade, nem em nome de qualquer direito inalienável. Ou seja, sempre que presumam desprezo pelo respeito nas relações sociais entre as pessoas. Precisamos todos de não confundir o respeito pela liberdade com o comportamento libertino e socialmente desrespeitador. E, por isso mesmo, quem governa deve fazê-lo com elevado sentido de justiça, com zelo e exemplar responsabilidade. Para isso servem as leis, que só têm sentido se se submeterem à moral social e não a caprichos e desejos individuais de quem se julga com o direito supremo de fazer e desfazer, pôr e dispor da sociedade a seu bel-prazer.

É isso que parece enfermar a sociedade angolana de hoje, e é isso que parece ter vindo a desencadear inúmeros conflitos sociais, alguns dos quais indissolúveis. Não nos surpreendamos se a breve trecho muitos desses factos derem origem a violência, pois ao que tudo indica não se tem estado a prestar a atenção devida à possibilidade de agravamento de factos aparentemente isolados.

Não que estejamos perante uma situação em que esteja em causa a protecção deste bem social e vital que é a sã convivência social, mas sim que estejamos em presença de um conflito que resulta da falta de consenso sobre a forma como deve ser realmente entendida e interpretada esta relação entre o poder do Estado e as forças sociais que a ele se mostram contrárias.

Estamos perante uma verdadeira situação de incongruência, quando, ao que parece, ainda não aprendemos a aceitar e a saber lidar com a contrariedade. Na verdade, tais manifestações devem ser socialmente úteis e vantajosas para o exercício equilibrado do poder do Estado.  

Por exemplo, o governo justificou a subida dos preços dos combustíveis, triplicados em menos de três meses, com a alegada crise. Mas ao mesmo tempo que, na óptica do governo, a crise justifica o reajuste ela não impede o avultar da despesa pública: o governo procede à compra de um avião sem ao menos justificar as razões plausíveis desta necessidade e compra apartamentos de luxo para os membros do executivo, cujos custos ascendem às somas astronómicas de milhões de dólares. Dá contratos multimilionários a Isabel dos Santos e ao seu meio-irmão José Filomeno dos Santos, esbanja o dinheiro do Fundo Soberano, que deveria ser uma reserva para amortecer crises económicas.

Ora, nenhum desses assuntos obrigou o governo a dar justificações, às quais os cidadãos têm pleno direito.  

Tudo isto é uma enorme tristeza, sobretudo, para quem ainda se mantém fiel a um tipo de governação que atropela como e quando quer a dignidade de todos. Afinal, qual é a lógica da contenção e qual é a lógica de prioridades nas despesas do Estado?

 

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