A Destituição de José Eduardo dos Santos por Peculato?

O mais velho dos romanos, Cícero, afirmou na sua obra De Legibus (Das Leis) que a lei é fonte de virtude para os cidadãos e o mecanismo que consolida as forças do Estado. 

Face aos aparentes indícios de irregularidades de uso do dinheiro do Estado angolano na compra da Efacec em Portugal, por Isabel dos Santos, atribuídos directamente ao Presidente da República, coloca-se a velha questão leninista: Que fazer? Trata-se aqui de indícios, e não provas plenas, cuja averiguação e comprovação competem às autoridades judiciais. 

A resposta está em Cícero: deve-se basear qualquer decisão na lei. E a lei angolana dá resposta nos termos do artigo 129.º da Constituição.

Este artigo, aprovado por consenso na Assembleia Constituinte e contido nas propostas A, B e C de elaboração da Constituição, além de solicitado na consulta pública acerca do texto constitucional, e nessa medida perfeitamente indicador da convergência das vontades políticas e sociais angolanas, tem a resposta:

O presidente da República pode ser destituído do cargo por crime de suborno, peculato e corrupção (artigo 129.º, n.º 1, b). 

Esse processo de destituição começa por uma deliberação da Assembleia Nacional e observa o seguinte procedimento:

– A iniciativa de iniciar um processo de responsabilização criminal cabe a 1/3 dos deputados em efectividade de funções.

– Depois de tomar a iniciativa, a Assembleia deve, por 2/3 dos votos em efectividade de funções, aprovar a deliberação de instaurar o processo de responsabilidade criminal.

– Tomada essa deliberação, o processo segue para o Tribunal Supremo, que terá 120 dias para decidir.

Logo, em resumo, a iniciativa de proceder ao julgamento e destituição do presidente por crimes de suborno, peculato e corrupção cabe à Assembleia Nacional, mas o julgamento e a decisão final cabem ao Tribunal Supremo. Este é um caso típico de interdependência de poderes (e não de separação de poderes).

Os crimes de suborno, corrupção e peculato são crimes típicos da esfera patrimonial. O crime de suborno traduz-se na prática de prometer, oferecer ou pagar a uma autoridade pública uma soma em dinheiro ou quaisquer outros bens (garrafas de bebidas, jóias, propriedades ou até férias), para que a pessoa em questão ceda a uma determinada vontade do subornador no exercício das suas funções públicas. A corrupção tem um sentido mais amplo, e significa que uma pessoa, ocupando uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço. Trata-se de um sentido mais lato que o suborno. Finalmente, o peculato é o crime de desvio de dinheiro público. 

No caso da Efacec, poderá haver, a confirmarem-se os indícios, esse crime de desvio de dinheiros públicos para fins privados. Se assim for, a Assembleia Nacional tem toda a legitimidade para levantar o assunto e remetê-lo ao Tribunal Supremo para decisão. 

A maturidade de uma democracia vê-se quando as instituições funcionam segundo a lei e não têm medo de tomar decisões. Existem vários casos na história. Nos EUA, o presidente Nixon demitiu-se porque o Senado ia iniciar um julgamento por crime de responsabilidade. No Brasil, ao presidente Collor de Mello aconteceu algo de semelhante.

Se o poder judicial não hesitou em afirmar que aplicava a lei aos 15 presos políticos, o mesmo deve acontecer a José Eduardo dos Santos. Também José Eduardo dos Santos deve obediência à lei e esta deve ser-lhe igualmente aplicada.

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