General-Governador Toma de Assalto Terras do Kwanza-Sul

O governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, de 61 anos, tem vindo a requerer a si próprio autorização para a legalização de terrenos destinados à agro-pecuária e à construção de condomínios. Através de um esquema habilmente montado, o governador e os seus filhos somam já a posse de mais de 30 000 hectares (mais de 300 quilómetros quadrados) de terra no Kwanza-Sul.

Figura de grande peso na estratégia militar do círculo restrito do poder presidencial, paralela às Forças Armadas Angolanas (FAA), o general Eusébio de Brito Teixeira ocupa, cumulativamente, o cargo de representante da Casa de Segurança do Presidente da República para o Sul de Angola.

“Vamos seguir as orientações do programa do MPLA, que é crescer mais e distribuir melhor”, frisou o governador no acto do seu empossamento pelo presidente José Eduardo dos Santos, a 29 de Setembro de 2012. o general é também o primeiro secretário do MPLA, o partido no poder, no Kwanza-Sul.

No seguimento dessas orientações do programa do MPLA, ao longo do ano de 2013, o governador atribuiu a si próprio uma grande extensão territorial da província sob seu comando, como adiante melhor se explica.

Primeiro, Maka Angola revela, por ordem cronológica, os processos concluídos pelo general no presente ano.

A 17 de Abril passado, a empresa Eusébio de Brito Teixeira e Filhos (EBRITE) solicitou ao governador Eusébio de Brito Teixeira a legalização de um terreno para loteamentos destinados à urbanização na orla marítima, na praia da Chicucula, comuna da Gangula, município do Sumbe. O terreno, com uma dimensão de 92 hectares, é ocupado por uma vasta comunidade, que será desalojada.  

A EBRITE é uma empresa criada a 12 de Outubro de 1998 pelo general Eusébio de Brito Teixeira e em representação dos seus filhos Carlos Mandume Brito Teixeira e Dilma Jeruza Serpa Teixeira. Desde então, o general, detentor de 50 por cento do capital, assumiu as funções de gerente da empresa. Para além da agro-pecuária, o objecto social da EBRITE inclui também serviços de cabeleireiro e de exploração mineira, “podendo dedicar-se a qualquer outro ramo de comércio ou indústria em que os sócios acordem ou seja permitido por lei”.

No mesmo dia 17 de Abril de 2014, um outro pedido, apenso ao da EBRITE, deu entrada no governo provincial. Trata-se do pedido de Geosystems Angola Lda., que solicita a concessão de 153,53 hectares contíguos, a Sul, ao solicitado pela EBRITE. Ambos os pedidos foram processados com  bastante celeridade. “À secretaria p/ [para] instrução do processo. [assinatura ilegível]. 05-06-014 Urgente”, lê-se no despacho para cada um dos requerimentos, emanado do gabinete do governador.
Segundo fonte da administração do Sumbe, “a Chicucula é um terreno comunitário, com muita população aí radicada. Também é uma zona de transumância do gado e, por essa razão, não pode ser objecto de concessão”. O Rio Keve desagua para o mar, na Chicucula.

“O governador e as empresas que a ele se associaram, a Pisek Engineering, a Geoland e a Geosystems, querem realizar aí um projecto turístico, atropelando a lei.”
As três empresas têm em comum a participação accionista maioritária e, como sócio-gerente, o mesmo indivíduo: Bruno da Silva Magalhães.

A Geoland e a Geosystems completaram o seu processo de registo comercial apenas a 7 de Abril de 2014, com publicação em Diário da República. A Geoland tem perto de 60 áreas de intervenção no seu objecto social, desde a gestão de infantários, passando pela ourivesaria e até à exploração petrolífera. Passados dez dias, já ambas tinham submetido os seus pedidos de legalização de terrenos ao governador. A Pisek Engineering é originária de Portugal e está efectivamente registada em Angola desde Fevereiro de 2013.

Segundo o Regulamento Geral de Concessão de Terrenos, “os terrenos rurais comunitários são os terrenos ocupados por famílias das comunidades rurais locais e utilizados por estas, segundo o costume relativo ao uso da terra, para sua habitação, exercício da sua actividade ou para outros fins reconhecidos pelo costume ou pela lei”.

O referido regulamento estabelece, por sua vez, que “os terrenos rurais comunitários abrangem as áreas complementares para a agricultura itinerante, os corredores de transumância para o acesso do gado a fontes de água e a pastagens e os atravessadouros, sujeitos ou não ao regime de servidão, utilizados para aceder à água ou às estradas ou caminhos de acesso aos aglomerados urbanos”.

Esses terrenos, ainda de acordo com o regulamento, “não podem ser objecto de concessão”.

Da investigação realizada no local, Maka Angola apurou que, inicialmente, o general Eusébio de Brito Teixeira prometera ao soba da Chicucula a construção de escolas e a dinamização de outros projectos sociais, como iniciativa do Estado. “O governador nunca informou o soba de que estava a expropriar as terras para seu benefício privado, para a construção de um projecto turístico”, revela um membro da comunidade local, sob anonimato, por temer represálias.

Na zona, também há muito gado pertença de outros oficiais generais, incluindo o brigadeiro João Manuel, que se sentem incomodados com a situação.

Governador Requer a Si Próprio

Mais uma vez, a 17 de Abril, três processos de legalização foram remetidos ao governo provincial como um só dossiê. O general Eusébio de Brito Teixeira requereu 48 847 m2 para a construção de um condomínio.

Por sua vez, a Pisek Engineering, Lda. obteve 23 875 m2. Encaixando o condomínio, a Sul, Oeste e Leste, a Geoland – Engenharia Lda. recebeu 30 677 m2. O cadastramento dos terrenos foi feito com urgência e o processo ficou concluído a 22 de Abril.

Na sequência dos trâmites burocráticos, a 4 de Maio de 2014 o general Eusébio de Brito Teixeira escreveu “a Sua Ex.ª Senhor Governador Provincial do Cuanza Sul”, ou seja, a si mesmo. No requerimento, o general redigiu: “Desejando legalizar uma parcela de terra com 48 847 m2 para construção de um condomínio na área dos Ex-Carvalhos [Gangula], na cidade do Sumbe”, a capital da província.

Para o efeito, “vem mui respeitosamente requerer a Sua Ex.ª Senhor Governador que se digne mandar passar a referida autorização”.

Passado um mês, a 6 de Junho, o administrador municipal do Sumbe, Américo Alves Sardinha, remeteu ao governador provincial o ofício 252/06.06.09/2014, com cópia para o general Eusébio de Brito Teixeira, ou seja, outra vez o governador provincial. Tratava-se do parecer favorável das entidades locais para que o governador Eusébio de Brito Teixeira pudesse, finalmente, conceder a autorização de legalização do terreno que ele próprio solicitou.

O referido terreno situa-se junto à Estrada Nacional 100 e ao futuro Campus Universitário, e está ligado ao projecto de construção habitacional da nova centralidade.

O coronel Serafim Maria do Prado, anterior governador do Kwanza-Sul e actual deputado do MPLA, já havia registado grande parte do referido terreno em seu nome. A lei é a de quem manda agora.

Fontes do governo provincial indicam que, na realidade, o governador utilizou a Pisek e a Geoland para se conceder a si próprio um total de 103 399 m2 (10,3 hectares), para a construção do seu condomínio. Essas empresas são sócias do governador na construção do condomínio e têm sido privilegiadas numa série de empreitadas na província.

O legislador estabelece, no Regulamento de Concessão de Terrenos, um limite máximo de concessão de dois hectares nas áreas urbanas e de cinco hectares nas áreas suburbanas. Quando a concessão solicitada ultrapassa os cinco hectares, é da competência do ministro do Urbanismo proceder à sua autorização ou não.

Maka Angola tem tentado, sem sucesso, obter a reacção oficial quer do requerente, Eusébio de Brito Teixeira, quer do general-governador, Eusébio de Brito Teixeira, que são uma e a mesma pessoa.

A Comuna do Governador

O governador expropriou praticamente a comuna do Dumbi, no município do Cassongue, ao abocanhar um total de 22 685,21 hectares, para três fazendas.

Na primeira, que cobre a aldeia do Chipindo, o general-governador passou em seu nome 11 000 hectares. Por lei, o processo deveria ter sido aprovado pelo Conselho de Ministros, ou seja o presidente da República, que detém o poder exclusivo de conceder terrenos acima de 10 000 hectares.

A 27 de Maio passado, o governo provincial concluiu o processo de concessão “da parcela de terreno pertencente ao Sr. Eusébio de Brito Teixeira”.

“O governador não tem competência para outorgar-se a si próprio 11 000 hectares. Ele mentiu à população, ao afirmar que o terreno era para um projecto do Estado, para o combate à fome e à pobreza”, explica um influente membro da administração local, que prefere não ser identificado.

Uma vez esclarecidas as reais intenções do governador, as comunidades locais organizaram-se e forçaram a retirada da maquinaria e do pessoal que procedia à delimitação da fazenda, a abertura de picadas, entre outras obras necessárias à operacionalização inicial da estrutura.

A maquinaria havia sido cedida por um empresário do município da Quibala, general Lisboa, em troca de favores com o governador.

Segundo revelações de alguns populares ao Maka Angola, dois funcionários do governo provincial, que trabalhavam no projecto privado do governador, tiveram de abandonar o local na carroçaria de um camião que transportava sacos de bómbó. “O governador estava a usar funcionários do Estado sem sequer dar-lhes ajudas de custo, alimentação ou qualquer outra assistência para realizarem o seu trabalho”, indicam os populares.

Ainda na comuna do Dumbi, o general-governador tem uma fazenda com 8 115,91 hectares, que se atribuiu a si próprio com a aprovação do ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MINADER), Afonso Pedro Canga.

Na Aldeia Vavele, na mesma comuna, Eusébio de Brito Teixeira apossou-se de mais 3569,3 hectares, com vista à instalação de uma terceira fazenda.
Sobre os métodos de acumulação de terras pelo governador, um alto funcionário do MINADER, sob anonimato, diz: “Tudo é possível nesta república das bananas. A lei é só para os pequenos, os pobres, os excluídos e os deixados por conta.”

De acordo com o mesmo alto funcionário, “um requerente poderoso pode juntar dezenas ou centenas de milhares de hectares e não fazer sequer uso, a um por cento, das terras ocupadas. Mas dessa forma se constitui uma fortuna, em terras, a custo zero. É a acumulação primitiva de capital”.

“Outra estratégia para facilitar a usurpação de terras a camponeses e cidadãos comuns são os avisos colocados pelo Estado, identificando as áreas como zonas fundiárias ou requalificadas para utilidade pública. Assim, os dirigentes expropriam muitos terrenos a coberto da lei e para fins privados”, adianta a fonte.

Como exemplo, o interlocutor fala do Projecto Quiminha, no município de Icolo e Bengo, em Luanda, que envolve a empresa israelita Tahal. “Expropriaram as terras aos camponeses, com promessas de compensação que nunca cumpriram. Segundo a voz do povo, a situação lá está a aquecer”, remata o interlocutor.

Distribuir Melhor, à Família

Ainda na sequência da política do MPLA, partido no poder há 39 anos, que advoga o lema “crescer mais e distribuir melhor”, o governador, no ano passado, engajou-se na melhor distribuição de terrenos pela sua família.   A 5 de Dezembro de 2013, a esposa do general Eusébio de Brito Teixeira, Isaura da Conceição de Lima Serpa Teixeira, também requereu ao seu marido, o governador do Kwanza-Sul, a aquisição do direito de superfície de uma parcela de 1000 hectares em Sahossi, na comuna da Sanga, município da Cela.

No mesmo dia, a 5 de Dezembro de 2013, a filha de ambos, Dilma Jeruza de Serpa Teixeira, também remeteu um pedido ao pai para aquisição do direito de superfície de 500 hectares contíguos, a oeste, ao terreno cadastrado pela mãe Isaura. Outro filho do casal, Edilson Paulo Serpa Teixeira, também recorreu ao mesmo expediente, no mesmo dia, para registar, como sua posse, 500 hectares contíguos, a sul e a leste, ao terreno da irmã.

Desde 25 de Fevereiro de 2013, Edilson Teixeira serve oficialmente como membro do executivo provincial, com a categoria de assessor do governador, ou seja, o seu pai. O acto de nepotismo do governador relativamente à nomeação do seu filho é apenas um reflexo das práticas da direcção do MPLA.

Mas a história não termina aqui: duas outras filhas do governador do Kwanza-Sul, Petra Okssana de Azevedo Teixeira e Eucélia Valula de Azevedo Teixeira, encaminharam, de igual modo, a 5 de Dezembro de 2013, os seus pedidos de aquisição de 500 hectares cada uma ao pai.

A parcela de Petra Okssana é contígua, a norte, sul e oeste, à da madrasta Isaura, enquanto a sul se junta à da irmã Dilma e ao Riacho Cacufo. Já a leste, o seu terreno é uma extensão dos cadastrados pelas irmãs Eucélia e Dilma.

Por meio do referido expediente, o governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, transferiu num só dia mais 3000 hectares de terra para o seu pecúlio familiar.

Fonte próxima da família do governador refere apenas que o mesmo “é conhecido como um patriarca muito bondoso e generoso para com os seus familiares”.   No entanto, convém salientar que a generosidade do governador, na transferência de bens públicos para si e para a sua família, é ilegal.

O governador está proibido, pela Lei da Probidade, de “intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos” sobre os quais tenha interesse directo (Art. 28.º, a) ou que favoreçam a cônjuge, os filhos ou outros familiares directos (idem, b).

A referida lei considera ainda como acto de enriquecimento ilícito a integração ilegal de bem patrimonial público, neste caso, terras, para a propriedade privada do governador (Art. 25.º, j).  

Apesar de abundantes provas de conduta no mínimo questionável, o general está protegido pela impunidade que a corrupção colectiva confere aos seus protagonistas. A corrupção e o saque do país têm sido os principais factores de unidade entre os diversos grupos do MPLA, das Forças Armadas Angolanas, da Polícia Nacional e dos órgãos de soberania.

No Kwanza-Sul, só os altos dirigentes figurativos ou desatentos não têm o seu quinhão de terra. A seu tempo, Maka Angola publicará a lista dos senhores feudais, latifundiários e “minifundiários” que dividiram, entre si, uma província inteira. Com a mesma voracidade, esses senhores já se expandem no esbulhamento feudal de terras em Malanje e noutras províncias do país.

Como cantava Zeca Afonso: “Eles comem tudo e não deixam nada.”

O feudalismo do general Eusébio em tabela: Clique aqui.

 

 

 

 

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