Guarda Presidencial, Julgamento e Cadeia Multicaixa

O Tribunal Militar Regional de Luanda iniciou hoje, 18 de Setembro, o julgamento de 15 efectivos do Destacamento Central de Protecção e Segurança da Casa Militar da Presidência da República (DCPS). Os soldados são acusados de terem feito uma reivindicação em grupo, exigindo salários justos e melhores condições de trabalho.

A 7 de Setembro de 2011, um total de 224 soldados, do referido destacamento, subscreveu uma petição a reclamar sobre as más condições em que se encontravam as tropas presidenciais. Os soldados endereçaram o abaixo-assinado ao comandante da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), tenente-general Alfredo Tyaunda. A DCPS é parte da UGP mas, como missão específica, tem a tarefa de proteger os grandes projectos de reconstrução nacional, as empresas e a mão-de-obra chinesas que os implementam. Os soldados enviaram cópias da correspondência à Polícia Judiciária Militar, Procuradoria-Militar e ao Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA).

Para além da reclamação de salários condignos, os militares exigiam o direito de constar de folhas salariais formais, assim como a bancarização dos seus salários. Um grupo de quatro soldados contactados por Maka Angola revelou que, até à data presente, os soldados do DCPS nem sequer têm direito a recibos no acto de levantamento dos seus salários.

Os soldados, cujos nomes Maka Angola omite por razões de segurança, denunciaram o projecto abortado de instalação de um balcão do Banco de Poupança e Crédito (BPC) no principal quartel da UGP, situado no Morro Bento.

“O general Alfredo Tyaunda não aceita bancarizar os salários dos militares. Ele quis indicar o gerente da dependência do BPC na UGP. O banco não aceitou e ele transformou a estrutura do banco em cadeia”, explicou um dos militares.

A 12 de Setembro de 2011, nove dos peticionistas, identificados como os líderes do grupo foram detidos e, ironicamente, passaram uma noite no banco-cadeia da UGP. “Fomos encarcerados no ‘multicaixa’, o espaço reforçado onde deveria ter sido colocado o cofre do banco”, explicou o porta-voz do grupo.

“No ‘multicaixa’ não há janela e o ar passa apenas pela[s frestas da] porta. Passámos a noite toda encostados à parede ou agachados, por falta de espaço, com dois baldes: um de urina e outro de fezes. A falta de ar e o cheiro acumulado de porcaria e suor intoxicou-nos”, descreveu o soldado.

Em tribunal, o advogado de defesa dos réus, David Mendes, argumentou sobre a inconstitucionalidade do Artigo 25º da Lei dos Crimes Militares (Lei nº 4/94), de 1994, sobre exigência em grupo, que sustenta a acusação contra os soldados.

Segundo a referida lei:

 

  1. “Os militares que em grupo fizerem exigências de forma tumultuosa ou amotinada, serão punidos com a pena de prisão maior de 2 a 8 anos.
  2. Os que aceitarem, provocarem ou dirigirem as acções referidas no número anterior, serão punidos com a pena de prisão maior de 8 a 12 anos”.

Por sua vez, a Constituição, de 2010, estabelece, no Artigo 73º , sobre o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa:

“Todos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, petições, denúncias, reclamações ou queixas para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral, bem como o direito de ser informados em prazo razoável sobre o resultado da respectiva apreciação”.

David Mendes lembrou que os militares apenas escreveram uma carta para expor um problema comum não tendo, em nenhuma ocasião, criado tumultos ou motins.

Segundo o advogado, o caso poderá ter várias repercursões. “Caso o tribunal decida respeitar a Constituição, todos os militares poderão fazer exigências colectivas para a melhoria das suas condições salariais e de vida”, disse.

De contrário, afirmou o advogado, “o tribunal estará a violar a constituição e o caso será remetido ao Tribunal Constitucional para a sua apreciação”.

O tribunal suspendeu a audiência para consultas em torno do argumento da inconstitucionalidade do polémico artigo. O julgamento retoma na próxima sexta-feira, 21 de Setembro.

 

 

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