Chineses Controlam Unidade Presidencial Fantasma

O Tribunal Militar da Região de Luanda retoma, na próxima sexta-feira, 28 de Setembro, a audiência de mais um julgamento de 15 soldados do Destacamento Central de Protecção e Segurança da Casa Militar da Presidência da República (DCPS), acusados de crimes de exigência em grupo, por terem reivindicado salários justos e bancarizados, assim como melhores condições de trabalho.

Durante a audiência de 21 de Setembro passado, o juiz ouviu três declarantes para tentar estabelecer se os réus realizaram a exigência em grupo, crime de que são acusados, de forma tumultuosa ou amotinada. Os declarantes confirmaram apenas a entrega ordeira da petição, pelos soldados, sem quaisquer actos indiciadores de agressividade.

Na audiência anterior, a 18 de Setembro, o juiz militar suspendeu a sessão para realizar consultas sobre a constitucionalidade do crime de que são acusados. A Lei dos Crimes Militares, de 1994, proíbe os militares de realizarem exigências colectivas e que envolvam tumultos ou motins. Os réus limitaram-se a endereçar uma petição, subscrita por um total de 224 soldados, ao comandante da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), tenente-general Alfredo Tyaunda, que supervisiona o DCPS.

Já a Constituição, aprovada em 2010, confere a todos os angolanos, incluindo os militares, o direito de apresentarem, individual ou colectivamente, petições, denúncias, reclamações ou queixas a quaisquer autoridades ou órgãos de soberania, para a defesa dos seus direitos e do interesse geral.

Durante a audiência, os réus optaram pelo silêncio, mantendo a posição colectiva de estarem protegidos pelo direito constitucional de defender colectivamente os seus direitos, por via de um abaixo-assinado no qual revelaram o seu descontentamento.

Em Janeiro passado, o chefe da Repartição de Pessoal e Quadros da UGP, coronel Henriques Chilembo Alfredo, explicou à Polícia Judiciária Militar que a UGP não tem controlo sobre o pessoal afecto ao DCPS da Casa Militar, e remeteu o caso ao secretário-geral da Casa Militar, tenente-general Luís Simão Ernesto, para os devidos esclarecimentos.

Por sua vez, o chefe do Departamento de Administração e Finanças do DCPS, major Domingos António, reconheceu em Fevereiro passado, no âmbito das investigações judiciais, que as reclamações salariais dos soldados remontam à data de fundação da unidade, há cerca de oito anos. Disse que o caso é do conhecimento do ministro de Estado e chefe da Casa Militar, general Kopelipa, tendo este orientado a resolução das reivindicações dos soldados com a indicação de que estes fossem colocados à disposição do Estado-Maior do Exército.

O major revelou, no entanto, que mais de metade dos efectivos do DCPS, os 1620 militares da unidade que foram formados pela UGP, recebem os seus salários através desta unidade. Os reclamantes afirmam que os seus colegas equiparados, em efectividade na UGP, ganham acima de 100 000 kwanzas mensais, enquanto os transferidos para o DCPS recebem, com os últimos aumentos, entre 28 000 e 34 000 mil kwanzas. Os soldados têm também manifestado insatisfação pelo facto de os seus salários não serem bancarizados, conforme exigência da administração pública. Além disso, os soldados não têm direito sequer a recibos que lhes permitam saber quanto efectivamente ganham e os descontos que lhes são deduzidos. “Nem sequer podemos assinar numa folha em como recebemos os salários”, desabafou um dos réus.

Inicialmente, os soldados recebiam um estipêndio mensal de US $100 da China-África, a outra denominação empresarial usada pela China International Fund.

O que é o DCPS?

O Destacamento Central de Protecção e Segurança da Casa Militar da Presidência da República (DCPS) foi criado em 2004 para garantir a protecção dos projectos de reabilitação de infra-estruturas em todo o país, sob tutela do então Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN), afecto à Casa Militar e dirigido pelo general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”.

Como tarefa específica, o DCPS passou a proteger as infra-estruturas em reabilitação, as empresas e a mão-de-obra chinesas. Os projectos de reconstrução nacional protegidos pelo DCPS estão avaliados em mais de dez biliões de dólares, financiados pelo governo chinês em troca de petróleo angolano.

Estranhamente, o DCPS não consta do Estatuto Orgânico da Casa Militar do presidente da República, aprovado por Decreto Presidencial 181/10, em 2010. Apesar de os seus soldados serem provenientes da UGP, da qual dependem em termos estruturais e salariais, o DCPS, com um efectivo de 2053 militares, nem sequer constitui uma unidade como tal.

O DCPS, sob comando do tenente-general Jesus M. C. Manuel, actual secretário-executivo da Casa Militar do presidente da República, funciona em Viana, no KM 28, nos estaleiros da empresa chinesa China International Fund (CIF).

De forma caricata, para além do gabinete do comandante, assegurado pela CIF, o segundo-comando, da responsabilidade do coronel Deolindo Lima, funciona num contentor cedido pelo capitão João Domingos Trinta, enquadrado na mesma unidade, ou seja, nos estaleiros da China International Fund.

Um oficial do referido destacamento reparou que os militares, no local, nem sequer podem içar a bandeira da República de Angola, porque apenas se desfralda a chinesa. “Em vários anos de serviço, só me lembro de ter estado em parada, com as tropas, duas vezes. Já nem sequer há a obrigação de formarmos em parada”, lamentou o oficial.

A Unidade Fantasma e os Negócios dos Generais da Casa Militar

A situação fantasmagórica da unidade tem permitido o seu uso efectivo mais como uma empresa privada de segurança, ao serviço dos generais da Casa Militar, do que propriamente como força operacional da Presidência da República.

Para além dos salários, os soldados reclamam o desaparecimento de fardas que lhes são destinadas e de alimentação, bem como a ausência de outras condições básicas de trabalho. Essa situação contrasta com as extravagâncias do chefe de Departamento de Administração e Finanças do DCPS, major Domingos António. Na unidade, o oficial tem desfilado com uma frota privada de automóveis topo de gama, que inclui alguns dos mais recentes modelos da BMW, Cadillac Escalade, GMC Yukon, Hummer, Range Rover “Tubarão”, Toyota Tundra e VX V8. O mesmo é proprietário e presidente do Domant F.C. do Bula a Tumba, representante da província do Bengo no Grupo A do Zonal de Apuramento ao Girabola 2013, o campeonato nacional de futebol da primeira divisão.

Em entrevista recente ao Jornal dos Desportos sobre a capacidade financeira do seu clube, o major respondeu: “Bem, acho que as pessoas muito atentas ao futebol, sobretudo do Zonal de Apuramento, sabem que o Domant FC não tem tido nenhuma dificuldade no que toca à questão financeira.”

O major Domingos António está a criar uma rede de negócios sob a sigla Domant, as iniciais do seu nome. O major tem um negócio de importação de viaturas, com um stand de vendas junto ao Estádio da Cidadela, em sociedade com cidadãos libaneses. O major, conforme apurou Maka Angola, criou uma engenharia financeira para conceder crédito automóvel a alguns oficiais da unidade, a quem vende viaturas descontando as prestações dos seus salários. No município de Cacuaco, Luanda, o major é proprietário do Colégio Domant, uma escola de ensino primário e do primeiro ciclo, no Bairro Alto-Vidrul. Os soldados interrogam-se como é que o major, com o seu modesto salário de militar, obteve fundos para construir uma estrutura escolar de grande dimensão. “Os nossos comandantes criaram empresas com o nosso dinheiro”, denunciaram os soldados em carta enviada ao procurador das Forças Armadas Angolanas, general Hélder Pitra Grós, em Maio passado.

Por outro lado, os soldados sentem-se a trabalhar para projectos privados. Têm de permitir a entrada de camiões, com passes da Casa Militar, que transportam inertes do projecto de construção do novo aeroporto internacional de Luanda para um negócio que liga o comandante do DCPS, tenente-general Jesus Manuel, à empresa privada Mopic.

Em anos passados, os jornais privados reportaram em várias ocasiões a alegada exploração secreta de diamantes pelos chineses e oficiais angolanos no terreno do aeroporto. Alguns soldados afectos ao projecto confirmaram que, durante algum tempo, o DCPS acompanhou o transporte de cascalho da obra para o ponto de embarque, na zona portuária de Luanda, com destino à China.

Os soldados também têm assegurado a protecção da construção de um grande hotel de quatro estrelas no Km 34, em Viana, propriedade do tenente-general Jesus Manuel. O hotel está a ser construído por uma empresa chinesa e a obra passa como parte dos projectos de reconstrução nacional, dispondo dos meios do Estado. Em carta dirigida ao procurador militar em Maio passado, os reclamantes acusaram o tenente-general Jesus Manuel de ter patenteado os seus filhos Mário e Macedo de Jesus da Conceição Manuel aos graus de tenente e subtenente sem estes terem passado pela recruta e de os ter colocado em funções na unidade. “O tráfico de enquadramento de civis”, na referida unidade, é uma das alegadas práticas recorrentes de corrupção denunciadas pelos militares. “Do ponto de vista militar, o enquadramento de civis, no exército, sem a devida preparação militar, causa desmotivação à tropa e acarreta certos riscos”, disse, sob anonimato, um oficial das FAA.

A lista de negociatas dos generais da Casa Militar, incluindo o próprio general Kopelipa, dono do Viana Hotel, situado junto ao Pólo Industrial de Viana, é demasiado longa para ser revelada neste espaço. O terreno onde o hotel de 134 quartos foi construído, junto à Estrada de Catete, no Km 27, havia sido confiscado a camponeses como reserva do Estado. A obra usou também meios do Estado, incluindo a protecção dos soldados do DCPS.

Os exemplos ora expostos são apenas uma amostra ilustrativa de um caso que afecta o princípio da soberania nacional, ao colocar-se uma unidade militar presidencial nas instalações de uma empresa chinesa. Assim se demonstra também que a corrupção é um cancro até no seio da guarda presidencial, ficando evidente o nível de desorganização institucional que permite a existência de uma unidade-fantasma.

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