Luaty Preso em Lisboa

O rapper angolano Luaty Beirão foi detido ontem ao fim do dia, no Aeroporto da Portela, em Lisboa, onde desembarcou, proveniente de Luanda.

Segundo o seu produtor e amigo, Pedro Coquenão, as autoridades alfandegárias encontraram um pacote de cocaína no pneu da roda da sua bicicleta, que Luaty Beirão havia despachado em Luanda, forrada em plástico, para trocar em Lisboa, onde a adquiriu.

Pedro Coquenão informou que, quando o rapper recolheu a roda do tapete rolante, notou uma protuberância no pneu e a adulteração do forro de plástico. Disse ainda que o rapper nem sequer teve tempo de avaliar o que se tinha passado, porque agentes locais o abordaram imediatamente e o conduziram para interrogatório.

O produtor afirmou também que o cantor teve problemas com as autoridades migratórias em Luanda, antes de embarcar no voo da TAP TP288. Mas, como portador de dupla nacionalidade, incluindo a portuguesa, o mesmo terá conseguido embarcar.

“É tudo tão grosseiro. Calculo que nem sequer tenham alterado o peso original da roda quando o Luaty efectuou o despacho”, disse Pedro Coquenão.

Conhecido organizador de manifestações, Luaty Beirão foi alvo de espancamentos por parte de milícias pró-regime, a 10 de Março passado, no município do Cazenga, em Luanda, onde deveria juntar-se a uma marcha de protesto contra as autoridades. Um dos membros das milícias assestou-lhe uma barra de ferro na cabeça, tendo o rapper levado seis pontos.

Desde então, fruto das ameaças que a sua família tem recebido, assim como ele próprio, o Ikonoklasta, como também é conhecido, abandonou a sua residência e vivia escondido. Poucos dias antes da sua partida, o autor visitou-o e juntos conversaram sobre a digressão que deveria efectuar em França, no Festival Internacional Rio Loco, com o seu grupo A Batida, radicado em Portugal. O artista angolano Paulo Flores e a fadista Mariza são alguns nomes convidados para o evento, a decorrer em Toulouse, para onde o grupo deveria embarcar na próxima sexta-feira.

Luaty também falou da sua bicicleta, um dos poucos haveres que tem e muito estima. Conhecido por circular pela cidade de bicicleta, o rapper deixou de o fazer depois de os pneus do seu meio de transporte terem sido furados várias vezes e, depois, literalmente cortados. Mas insistia em levar para Lisboa uma das rodas, que comprara na sua última viagem a Portugal, para trocá-la.

Ciente das perseguições de que tem sido alvo, o Ikonoklasta viajou sem despachar bagagem, excepto a roda.

O historial de pressão política contra Luaty Beirão já é significativo. A 2 de Junho de 2011, a residência onde vivia, no Bairro Vila-Alice, em Luanda, foi invadida por um grupo de mais de cinquenta jovens que supostamente reclamavam pagamentos pelo seu envolvimento numa manifestação. Estranhamente, os jovens, todos desconhecidos de Luaty Beirão, faziam-se acompanhar de jornalistas estatais, que reportaram a sua salvação “graças a pronta intervenção da Polícia Nacional”. Os indivíduos atiraram garrafas e vários objectos para a sua casa e, apesar da localização da 3.ª Esquadra na rua vizinha, não houve qualquer intervenção das entidades policiais para o acudir e deter os arruaceiros.

A 17 de Junho de 2011, enquanto acompanhava a sua avó ao banco, três indivíduos agrediram-no em plena luz do dia, junto à Agência Funerária São João, na zona do Alameda, em Luanda. Apesar da presença dos transeuntes e de vários seguranças, os agressores causaram-lhe ferimentos nos braços, nas pernas e na região lombar.

Em Setembro passado, a sua namorada foi raptada em Lisboa, na mesma altura em que Luaty Beirão fazia diligências públicas para a libertação dos seus companheiros presos a 3 de Setembro, durante uma manifestação contra o presidente José Eduardo dos Santos. Os dois assaltantes ameaçaram violá-la e urgiram-na a aconselhar o namorado a parar com as suas actividades de protesto contra o regime em Angola. O Ikonoklasta preferiu manter silêncio sobre o caso, assim como sobre as inúmeras vezes em que o carro dela foi alvo de vandalismo, em Luanda, ao furarem os pneus e cortarem os pipos.

Em Dezembro passado, por ocasião do Natal, indivíduos desconhecidos enviaram, de presente, um urso de peluche para a sua avó, com quem vivia. Uma carta acompanhava o urso, ameaçando de morte a família, com impropérios raciais e a promessa de invasão e incêndio da casa com todos lá dentro.   

Visado como um dos jovens mais influentes no movimento de protesto que tem crescido em Luanda e causado muitas dores de cabeça às autoridades, a detenção do Mata Frakus, outro dos seus nomes artísticos, certamente causará grande celeuma.

Para além das suas actividades de protesto e o pendor crítico das letras das suas canções, Luaty Beirão causa irritação maior por ser filho de uma figura que já foi muito próxima de José Eduardo dos Santos. O seu falecido pai, João Beirão, foi o todo-poderoso director-geral da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), do próprio presidente, que, nos anos 90 e em parte da década seguinte, se notabilizou como um governo paralelo, com maior autoridade política que as instituições do Estado.

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