Manuel Vicente Assalta Sonangol

Em 2008, o presidente do Conselho de Administração e director-geral da Sonangol, Manuel Vicente, procedeu à restruturação das principais subsidiárias da empresa petrolífera estatal para enriquecimento pessoal.

No mesmo ano, as exportações de petróleo, segundo o Banco Mundial, ultrapassaram os 62 biliões de dólares, representando 97.7% das exportações do país. Esses dados revelam, de certo modo, a importância estratégica da Sonangol, enquanto concessionária nacional, na economia política do país.

Manuel Vicente fez negócio consigo próprio transferindo, de forma ilegal, 1% da Sonangol Holdings para o seu nome pessoal, tornando-se assim sócio formal da empresa pública em quase todos os seus negócios multimilionários.

O acto do principal gestor da Sonangol deve, antes de mais, ser contextualizado à luz da legislação em vigor e da retórica do MPLA sobre a política de tolerância zero contra a corrupção.

A 25 de Março de 2010, o presidente da República, José Eduardo dos Santos, promulgou a Lei da Probidade Pública, um instrumento jurídico destinado ao combate à corrupção. Essa lei apenas integra normas dispersas em várias disposições legais que, por si só, se achavam suficientes para impedir a terrível onda de saque do património público por parte dos dirigentes e gestores públicos.

Todavia, através do controlo absoluto do sistema judicial, o regime do MPLA neutralizou, na prática, a aplicação das referidas leis. Por isso, a nova lei não é um teste à vontade política do actual regime, no poder há 35 anos, de exercer o poder separando o público dos interesses pessoais dos seus titulares. A Lei da Probidade Pública apresenta-se mais como um desafio para os cidadãos. Estes devem exigir, à luz da legislação em vigor, a prestação de contas por parte dos dirigentes pela gestão de fundos e bens públicos. Os cidadãos devem assumir maior responsabilidade moral e política no controlo do património que a todos os angolanos pertence.

A transferência

A 24 de Julho de 2008, o presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente, procedeu à restruturação do estatuto e alteração total do pacto social da Sonangol Holdings Limitada, tendo transferido 1% da sociedade, integralmente detida pela empresa pública, para seu nome próprio.

A Sonangol Holdings Limitada é uma subsidiária da Sonangol, criada em 2004, cujo objecto social actual é “o exercício de actividades comerciais e industriais, a gestão de carteira própria de títulos e a prestação de serviços técnicos e de administração e finanças às sociedades denominadas”. A empresa participa, também, no capital social de outras sociedades. Em resumo, a Sonangol Holdings controla as subsidiárias do Grupo Sonangol.

Como parte da reestruturação, o gestor da Sonangol engendrou a sua participação privada nas principais subsidiárias da maior empresa pública, a saber:

•    A 23 de Julho de 2008, a Sonangol transferiu 10% das suas acções a favor da Sonangol Holdings na Sonair. Esta companhia aérea, na qual a petrolífera estatal detém 90% das acções, serve principalmente as multinacionais do sector e opera voos executivos, incluindo para a Presidência da República. O negócio administrativo ocorreu no dia anterior à transferência do 1% da Sonangol Holdings para Manuel Vicente.

•    A 24 de Julho de 2008, a Sonangol Pesquisa & Produção procedeu ao aumento do seu capital social e à admissão de novo accionista, a Sonangol Holdings, assim como reestruturou o seu pacto social. A primeira é a subsidiária responsável pela prospecção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos, sendo, por isso, a mais importante fonte de receitas da Sonangol E.P, que mantém 90% da sociedade, enquanto a Sonangol Holdings subscreve 10% das acções.

O caso da Sonangol P&P merece comentários adicionais. Os 10% que Manuel Vicente transferiu para a Sonangol Holdings estavam em posse, desde 1992, da então ministra dos Petróleos, Albina Assis, em suposta representação dos trabalhadores da empresa e outros beneficiários.

Conforme reza o artigo referente à subscrição de capital, no acto da constituição da empresa a 26 de Novembro de 1992, “a Sonangol subscreve em valores de 90% do capital inicial da sociedade, sendo o restante subscrito por trabalhadores da Sonangol e da sociedade e de outros sócios”.

A transferência dos 10% da Sonangol P&P, para um grupo privado representado por Albina Assis decorreu, segundo informação oficial, “em harmonia com a autorização conferida pela Resolução No. 9/91 da Comissão Permanente do Conselho de Ministros”. Na verdade, trata-se da Resolução No. 4/91, contrariamente ao mencionado nos estatutos da empresa, por gralha ou descuido.

Na altura, Albina Assis, que assumiu o controlo das acções oferecidas pela Sonangol, exercia o cargo de presidente do Conselho de Administração da referida empresa. Um mês após o negócio, Albina Assis ascendeu ao posto de ministra dos Petróleos, cargo que exerceu até 1999. A si cabe responder directamente pelo destino dado a centenas de milhões de dólares das receitas da Sonangol, de 1992 a 2008, transferidos para os utentes dos 10% da sociedade da Sonangol P&P.

Não há registo público de reunião de trabalhadores da Sonangol para eventual partilha de dividendos da participação na Sonangol P&P, feita em seu nome. Também não há conhecimento público sobre as eminências pardas do regime que Albina Assis tem representado como sócios da empresa petrolífera. Albina Assis foi desapossada dos 10% das acções na Sonangol P&P e, por ora, nada mais se sabe sobre o assunto.

•    A 24 de Julho de 2008, a Sonangol Holdings foi admitida como nova accionista, com 10% do capital, da Sonangol Distribuidora, que se dedica à distribuição e comercialização de combustível e gás no mercado interno. Como empresa-mãe, a Sonangol E.P. mantém 90% da sociedade.

•    A 8 de Setembro de 2008, a Sonangol Holdings passou a deter 10% do capital da Sonangol Logística, a subsidiária que se ocupa da gestão, armazenagem, comercialização e transporte de combustível “a nível de todo o mercado petrolífero”.

A Lei da Probidade Pública

A negociata viola a legislação em vigor. O artigo 25 (a) da Lei da Probidade Pública estabelece, como acto de enriquecimento ilícito, o recebimento de percentagem em negócio sobre o qual o agente público tenha poder de decisão ou de influência. No caso Manuel Vicente, o presidente do Conselho de Administração da Sonangol vendeu, ofereceu ou transferiu, de forma ilícita, para seu benefício pessoal, as acções da Sonangol na sua holding.

A acção de Manuel Vicente é prevista e punível como crime de corrupção activa, de acordo com os artigos 318° e 321° do Código Penal angolano. O indivíduo recebeu, como vantagem patrimonial, a percentagem da Sonangol Holdings num acto por si executado enquanto presidente do Conselho de Administração e director-geral da empresa. O Código Penal estabelece a pena de prisão maior de dois a oito anos, entre outras medidas sancionatórias, para tais casos de corrupção.

Ademais, de forma explícita, o artigo 26 (a) da Lei da Probidade Pública determina o tipo de acção cometida pelo gestor da Sonangol como um acto que causa prejuízo ao património público, por “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a integração no património particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial de entidade pública”.

Os prejuízos da petrolífera nacional, como entidade pública, são maiores, porquanto não há registo que Manuel Vicente, também membro do Bureau Político do MPLA, tenha desembolsado um lwei, a fracção mínima da moeda nacional o Kwanza, pela sua participação, como accionista, no império da Sonangol.

Por sua vez, o artigo 31 (c) “demanda o ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao património…”. Ou seja, Manuel Vicente, por lei, tem de devolver a percentagem que, de forma nefária, transferiu para seu próprio nome.

A resposta da Sonangol

A 17 de Abril de 2010, o Semanário Angolense, na sua edição nº 363, revelou, em exclusivo, um resumo da investigação que ora se publica na íntegra. Em reacção, a direcção da Sonangol emitiu um comunicado de imprensa, a 20 de Abril de 2010, com a seguinte justificação:

1.    “Em Setembro de 2004 foi constituída a Sonangol SGPS com o objecto de gerir as participações financeiras detidas pela Sonangol, E.P noutras empresas.

2.    Em 2007, a Sonangol efectuou um processo de reestruturação da estrutura societária das suas Subsidiárias e dela na deliberação de 5 de Março de 2007 do Conselho de Administração da Sonangol E.P. determina que o capital social da Sonangol SGPS passe a ser detido em 99% pela Sonangol E.P. e em 1% pelo seu Presidente do Conselho de Administração.

Assim, por escritura de Abril de 2007, foi alterada a sua estrutura societária e em Julho de 2009 foram completamente alterados os seus estatutos e modificada a sua denominação social para Sonangol Holdings, Limitada.

Desta forma, foi retirada a Sonangol Pesquisa & Produção da estrutura societária da empresa porque ela não está englobada no processo de consolidação na Sonangol Holdings, tão pouco foi substituída por qualquer outra Subsidiária por não se pretender a existência de participações cruzadas.

3.    O Senhor Eng.º Manuel Vicente foi indicado para, em nome e benefício do Estado ser o subscritor de registo de 1% do capital da Sonangol Holdings, Limitada, por não ser permitido constituir ou manter sociedades com apenas um sócio ou accionista.”

A certificação da ilegalidade

Os argumentos apresentados pela Sonangol para justificar os actos da sua direcção deixam entender que se deve cometer um acto ilegal para cumprimento de um requerimento legal. Não existe, no ordenamento jurídico angolano, qualquer lei que permita a um cidadão, como privado, representar participações financeiras do Estado em empresas públicas ou privadas.

Outrossim, não consta nos estatutos da Sonangol Holdings – documento que valida juridicamente a sua existência – qualquer cláusula que determine a participação do sócio Manuel Vicente como representante do Estado.

Para a criação ou reestruturação de empresas de capitais públicos é prática corrente a associação de duas ou mais empresas do mesmo grupo, ou em parceria com outras detidas pelo Estado. A Sonangol é exemplo disso, ao ter criado e reestruturado várias empresas, emparceirando duas associadas suas, como o texto acima demonstra.

O Governo, por sua vez, esclareceu as dúvidas relacionadas com a titularidade e participações financeiras do Estado em empresas, assim como a representação do Estado nas mesmas. Fê-lo através do Despacho nº 53/04, exarado a 17 de Fevereiro de 2004 pelo Ministério das Finanças, que determina o seguinte:

1.    “Todas as participações financeiras detidas directamente pelo Estado nas diversas sociedades comerciais passam a ser tituladas e representadas pelo Instituto Angolano de Participações do Estado, em nome e representação do Estado”. (art. 1 da referida lei).

2.    Os poderes conferidos ao abrigo do nº 1 do presente despacho incluem a faculdade de, em nome e representação do Estado, desencadear acções para alterar as escrituras públicas constitutivas das sociedades participadas, bem como, em seu nome e em sua representação, assinar as referidas escrituras públicas, passando directamente a exercer, por excelência, a função de accionista ou sócio”. (art. 3, idem).”

Apesar de uma cláusula obscura que confere autonomia às empresas estratégicas, como a Sonangol, da tutela do IAPE, o ordenamento jurídico angolano não oferece qualquer regime de exclusividade legal à Sonangol. Logo, o acto mantém-se ilegal.

Em relação à transferência de 10% das acções da Sonangol Pesquisa & Produção para a titularidade da então presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Albina Assis, a direcção da Sonangol não apresenta qualquer justificação. A 13 de Abril do corrente, Albina Assis regressou à empresa, na qualidade de membro do Conselho de Administração do Grupo Sonangol.

A Resolução 4/91 da Comissão Permanente do Conselho de Ministros, assinada pelo presidente da República, José Eduardo dos Santos, aos 6 de Dezembro de 1991, confirma, de forma inequívoca, a participação de trabalhadores e sócios privados no capital da Sonangol Pesquisa & Produção (art. 4 do preâmbulo):

“A duração da empresa será por tempo indeterminado e o seu capital social inicial será de NKz 30,000,000,00 (trinta milhões de Novos Kwanzas), do qual até 90% será detido pela Sonangol e a restante percentagem pelos trabalhadores do Grupo Sonangol e outros sócios nos termos que ficarem definidos nos respectivos Estatutos.”

Por sua vez, os estatutos da Sonangol Pesquisa & Produção, aprovados pelo presidente José Eduardo dos Santos, na mesma data, estabelecem (art. 5) que: “A Sonangol subscreve em valores e bens, 90% do capital inicial da sociedade sendo o restante subscrito por trabalhadores da Sonangol e da sociedade e outros sócios.”

Conclusões

É através de actos criminosos, de assalto ao património do Estado, que vários dirigentes do MPLA, no executivo e fora dele, reclamam hoje ser grandes empreendedores, empresários de sucesso e orgulhosos formadores da burguesia nacional. Investidos de tais argumentos, bens alheios, e com o poder arbitrário que o aparato militar e policial do Estado lhes confere, homens e mulheres como Manuel Vicente privam a maioria dos angolanos de uma vida mais humana e condigna. A arrogância, a violência, a corrupção e as cumplicidades internacionais servem, então, de pilares da estabilidade do regime, cuja principal vocação actual é o saque de Angola.

Assim, dirigentes da estirpe de Manuel Vicente combinam as piores práticas da oligarquia russa, da classe política nigeriana, com resquícios de Mobutismo.

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