A Imagem de Angola nos EUA: Contradições e Desperdício

O governo angolano está claramente empenhado em melhorar a sua imagem pública e política nos EUA. Para tal, recorre sobretudo a poderosos lóbis. Senão vejamos: em 2012, a Sonangol, em nome do governo, pagou cerca de US $1.5 milhões à Collins Anderson Philp Public Affairs (CAP), uma empresa lobista, para que esta engendrasse uma campanha de melhoria da imagem de Angola nos Estados Unidos da América. No entanto, a CAP reportou nada ter produzido em termos de material para divulgação pública.

A forma como o governo tem investido em tais lóbis para conquistar uma boa imagem nos Estados Unidos é, no mínimo, contraditória. Em primeiro lugar, repudia, com actos inegáveis, a boa governação e o relacionamento profícuo com os seus próprios cidadãos, que deveriam constituir, afinal, a razão dessa mesma boa imagem. Em segundo lugar, revela princípios diplomáticos claramente desorientados.

Missão Diplomática sem Diplomata

O actual embaixador de Angola nos Estados Unidos da América, Alberto do Carmo Bento Ribeiro, de 73 anos, nomeado em 2011, tem pautado a sua acção diplomática pela ausência regular de fóruns diplomáticos, até mesmo da embaixada.

De forma já anedótica, os funcionários da embaixada comentam que, regra geral, o embaixador “só está em condições de assinar documentos, em sua casa, até às 11 da manhã, por causa da sua excessiva dependência do álcool”.

Na embaixada de Bento Ribeiro, a falta de liderança provoca uma crescente frustração entre os funcionários. É também notória a ausência de uma definição clara acerca de quais os objectivos diplomáticos de Angola, ao nível do executivo, o que fornece ao embaixador um álibi para o seu descanso “permanente” na residência oficial.

Todavia, os Estados Unidos e Angola discutem hoje, em Washington, a reactivação do Acordo de Comércio e Investimento, assinado em 2009 entre ambos os países, para o reforço das relações económicas bilaterais. Este encontro, contudo, deveria ter ocorrido em 2012, para abordar “os obstáculos que complicam os esforços das empresas americanas para investirem em Angola”, segundo o discurso do anterior embaixador americano em Luanda, Christopher Mc Mullen.

Este encontro ficou adiado, mas agora, com a desaceleração da economia chinesa e uma certa estagnação nas relações com a China, o seu parceiro principal, Angola apresta-se outra vez ao engajamento com os Estados Unidos para além da diplomacia do petróleo.

Campanhas sem Efeito

Um dos sinais de falta de clareza da política externa é o contínuo envolvimento da Sonangol em acções paralelas que deveriam ser do exclusivo domínio do Ministério das Relações Exteriores. Disto é exemplo a contratação da CAP, já referida acima. A 6 de Fevereiro de 2012, a Sonangol assinou não um, mas sim dois contratos com a CAP, cujo objectivo era a melhoria da imagem de Angola nos Estados Unidos. Há ainda um terceiro contrato que aparece apenas reportado no relatório do Departamento de Justiça ao Congresso.

Os dois contratos de US $1,200,000, no total, para um período de um ano, produziram para o efeito dois grupos de acção de lóbi, segundo documentos públicos do Departamento de Justiça norte-americano: a Progressive Angola Inc. e a Progress for Angola Inc. James C. Anderson, um operativo do partido republicano e sócio da CAP, assumiu a responsabilidade de principal agente e porta-voz da nova campanha para Angola.

De acordo com os contratos, as acções de lóbi destinavam-se a “aumentar a visibilidade de Angola na América, e a financiar e gerir uma campanha efectiva de gestão de reputação e de branding para Angola. O branding refere-se, interpretativamente, à estratégia promocional do regime angolano no mercado político americano.

No seu relatório às autoridades americanas, no termo do contrato em Fevereiro de 2013, a Progress for Angola Inc. reportou não ter “produzido ou distribuído quaisquer materiais informativos durante o período do relatório [de duração do contrato]”.

No entanto, no relatório do Departamento de Justiça ao Congresso Americano sobre as actividades dos lobistas nos Estados Unidos, datado de Dezembro de 2012, há mais informações sobre outro serviço prestado pela Collins Anderson Philp Public Affairs, especificado como estabelecimento de relações junto da comunicação social norte-americana. Por US $599,975, a CAP “preparou uma campanha efectiva de gestão de reputação e branding, para aumentar a visibilidade de Angola na América, em nome do cliente”. Este contrato teve a duração de seis meses, tendo terminado a 31 de Agosto de 2012.

Para serviços de relações públicas, no mesmo período, a Sonangol pagou ainda à CAP, através dos dois grupos de lóbis acima mencionados, um total de US $874,124.

A relação de Angola com os lobistas americanos tem sido marcada por enormes dispêndios financeiros e agendas confusas. Em 2001, o governo atingiu um recorde, entre os países africanos, ao ter contratado simultaneamente sete firmas diferentes de lóbis, com o objectivo fundamental de melhorar a sua imagem junto dos EUA.

A Diplomacia às Avessas e os Interesses Privados

Recentemente, os embaixadores angolanos reunidos em Luanda elogiaram o presidente José Eduardo dos Santos “pela forma como tem conduzido a política externa, do país”.

Contudo, para lá de tais elogios, imperativos no âmbito do culto de personalidade em torno de José Eduardo dos Santos, a política externa do país tem muito que se lhe diga e carece de uma apreciação crítica.

Nos últimos anos, a política externa de Angola deu origem a sérios embaraços em África. Os mais marcantes foram o apoio intransigente de José Eduardo dos Santos ao então presidente cessante da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, e a retirada humilhante das tropas angolanas da Guiné-Bissau.

Gbagbo recusava-se a aceitar a derrota eleitoral de Novembro de 2010. Ora, a União Africana e as Nações Unidas reconheceram a vitória de Alassane Outtara e impuseram sanções a Gbagbo, que acabou capturado, em Abril de 2011, no rescaldo de um violento conflito pós-eleitoral.

Em Junho de 2012, Angola retirou o contingente de 249 militares integrantes da Missão de Angola na Guiné-Bissau (Missang), após ultimato dos militares guineenses. A missão destinava-se a apoiar reformas no seio das forças armadas guineenses e da polícia, bem como a reabilitação de quartéis e esquadras. Num país marcado por grande instabilidade política e com um historial de golpes de Estado, o presidente preferiu assumir uma missão unilateral. Dos Santos, de resto, tem resistido a contribuir com forças militares para as missões de paz da União Africana.

No quadro do diálogo da parceria estratégica com os Estados Unidos, este país tem tentado convencer Angola a disponibilizar um contingente militar para ser treinado em operações de paz. Esse contingente seria integrado numa força africana para intervenções em situações de conflito, como instrumento de estabilidade no continente. A ideia nunca foi bem acolhida em Angola, por receio de capacitação e promoção de forças e oficiais angolanos fora do controlo directo do Estado. A ausência de consenso sobre esta questão retirou substância à projectada parceria estratégica.

Até à data presente, não se verificou uma clara definição dos princípios orientadores da política externa angolana. A essa indefinição subjaz outra mais crítica ainda: o que é o interesse nacional?

A política de Angola relativamente aos Estados Unidos é um bom exemplo de como a acção diplomática, por ausência de estipulação de objectivos e estratégias, pode desorientar-se e perder-se.

Após o reconhecimento diplomático de Angola pelos EUA, em 1993, houve uma relação de lua-de-mel entre os dois países que durou cerca de dez anos. Os americanos colocaram a sua diplomacia ao serviço do esforço de guerra pós-eleitoral do governo, em 1992. Esse apoio foi fundamental para as sanções internacionais contra a UNITA, antes sua protegida, e a desarticulação total das suas fontes de apoio externo e consequente derrota da UNITA. No entanto, o governo passou a explorar essa relação com base numa perspectiva redutora. Obstinava-se na neutralização de qualquer apoio ou manifestação de simpatias à UNITA, negligenciado o resto da sociedade e outros benefícios que poderiam advir da relação com os EUA.

A relação diplomática conheceu um afrouxamento quando os Estados Unidos introduziram, no debate bilateral, a questão da transparência na gestão dos recursos públicos bem como a abertura do sistema político em Angola, em período de paz. Essas condições eram imperativas para o apoio ocidental à reconstrução do país.

Foi neste momento que Angola optou pela China. Mas fê-lo, também neste caso, com uma agenda redutora. A relação resume-se em duas vias: primeiro, tem-se pautado pela troca de petróleo por infra-estruturas; segundo, a China International Fund (CIF), uma intermediária obscura na relação entre os dois países, tem servido de veículo para o saque sem precedentes de fundos do Estado angolano, operado por um grupo restrito do círculo presidencial, e o seu branqueamento através de investimentos conjuntos na Ásia, nos Estados Unidos e em África.

Já em 2009, as relações entre os Estados Unidos e Angola conheceram melhorias significativas com a visita a Angola da então secretária de Estado Hillary Clinton. A assinatura de um memorando de entendimento sobre o “Diálogo de Parceria Estratégica” entre os dois países, no ano seguinte, deu novo impulso à diplomacia.

No entanto, o presidente José Eduardo dos Santos, decisor único, nunca procurou promover a identificação dos benefícios que Angola pode colher de uma relação bilateral mais bem pensada e estruturada com os Estados Unidos.

Os dirigentes angolanos têm mostrado grande satisfação ao discursarem em palcos americanos e ao receberem visitantes desse país, numa prática cujos fins são mais mediáticos do que para a defesa de uma agenda que sirva efectivamente Angola.

Ao nível da economia, as relações entre os dois estados continuarão a ser dominadas pelo petróleo e pela ausência de uma política de diversificação substancial das relações económicas entre ambos. Há uma combinação de factores que tem sido determinante como entrave a grandes projectos de investimento noutros domínios: são eles a falta de transparência, a corrupção, a excessiva burocracia, a incerteza jurídica, aliadas à imposição de sócios locais que fazem parte da classe dirigente ou que estão ao serviço dos seus interesses particulares.

Assim, a relação entre Angola e os Estados Unidos continua a ser um espaço de grandes oportunidades que permanecem por explorar. Só com profundas reformas estruturais no modo de governação poderão os angolanos, finalmente, ter uma liderança que governa para o povo. Só isso permitirá definir uma política externa clara e alinhada com os interesses supremos da nação, do povo angolano.

 

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