O José Quer a Ditadura na Internet e nas Redes Sociais

No seu discurso de fim de ano, o presidente José Eduardo dos Santos reiterou a vontade de, em 2016, estender a sua ditadura, por via aparentemente legal, às redes sociais, onde se sente injuriado e humilhado. Esse é um dos seus grandes projectos para o novo ano. Quanto à fome que assola as populações do Cunene e arredores, bem como outros males gravosos que afectam o povo angolano, o presidente está-se nas tintas.

O mesmo se passa com a presidente da Cruz Vermelha de Angola, a sua filha Isabel dos Santos, que prefere gastar dois milhões de dólares com Nicki Minaj, em vez de se deslocar ao Cunene para ajudar os mais carenciados. Ora, este acto só lhe ficaria bem na fotografia e nas redes sociais, que aproveitaram a vinda da Anaconda para aumentarem o coro de críticas e insultos à família presidencial pela sua insensibilidade para com o povo.

De resto, a sua pretensão de controlo da internet – como o faz com os órgãos públicos Jornal de Angola, TPA e RNA – remonta, na verdade, a 2011. Nessa altura, o presidente remeteu à Assembleia Nacional, para aprovação, a proposta de Lei de Combate à Criminalidade no Domínio das TIC e dos Serviços da Sociedade de Informação.

No mesmo período, o presidente proferiu um discurso contra as redes sociais, o último reduto que tem escapado ao controlo do seu regime. Fê-lo também para prevenir-se dos possíveis efeitos da Primavera Árabe em Angola. Este movimento popular, bastante promovido nas redes sociais, derrubou ditadores instalados no poder há mais de 20 anos no Norte de África, nomeadamente na Tunísia e no Egipto. Somando 36 anos na presidência da República de Angola, José Eduardo dos Santos é um dos mais antigos ditadores no mundo ainda agarrados ao poder.

Para justificar a sua permanência no cargo, Dos Santos escudou-se na democracia. Criticou qualquer outra forma de tomada de poder que não seja pela via eleitoral e democrática. Em discurso anterior, quando pressionado para implementar um verdadeiro processo de democratização no país, o JES recorreu à dupla-fala para afirmar que “a democracia é uma imposição do Ocidente”.

A incoerência de Dos Santos só pode ser esbatida com a ausência de contraditório e a promoção do beija-mão, o Ministério da Bajulação. Este é o mesmo presidente que em 2001 afirmou que não voltaria a ser candidato do MPLA às eleições presidenciais. Ora, já lá vão quase 15 anos, e parece que JES quer lá ficar até que a morte o separe do poder.

Relembremos o que consta na proposta de Lei de Combate à Criminalidade no Domínio das TIC e dos Serviços da Sociedade de Informação, aprovada na generalidade pela Assembleia Nacional, e que deverá ser reactivada para aprovação final.

Um dos artigos da referida proposta (art. 17.º, n.º 1) inviabiliza partilhas, proibindo que, sem consentimento, qualquer pessoa ofereça, transmita, disponibilize ou difunda gravações, filmes ou fotografias de outra pessoa, mesmo quando licitamente produzidos, através de um sistema de informação. Se o fizer, poderá ser  punido com pena de prisão de dois a oito anos, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo determina que o procedimento cirminal depende de queixa.

Este preceito é estranho: da sua leitura resulta que, se transmitirmos via Facebook uma fotografia do presidente sem o seu consentimento, podemos ir presos. Estará mal redigido, ou o regime prepara-se para instaurar uma censura absurda, de cariz norte-coreano, na esfera digital? Também a submissão obrigatória a queixa pode querer salvaguardar o facto de os queixosos serem sempre a família presidencial, o PGR e outras figuras do regime que se sintam acossadas pelas redes sociais.

Esta proposta exclui os órgãos de informação do Estado, que podem torpedear os cidadãos à vontade, assim como as instituições do Estado, colocando-os acima da lei.  A medida legal é, no fundo, elaborada para criminalizar as atividades críticas contra o regime nos websites e blogues, no Facebook e noutras redes sociais.

As mensagens electrónicas também dão cadeia, pois qualquer pessoa que, sem consentimento, e com a intenção de devassar ou perturbar a paz e o sossego ou a vida pessoal, familiar ou sexual de outra pessoa, enviar mensagens por vias de sistemas de informação, é punida com pena de prisão de dois a oito anos. Este uso de conceitos indeterminados como “paz”, "sossego” e "vida pessoal” é extremamente perigoso, pois remete a sua interpretação para os órgãos criminais e judiciais. Rapidamente qualquer coisa pode ser considerada como perturbadora da “paz” ou do “sossego”.

Depois, há  a vaga definição de actos de terrorismo, que serve somente para legitimar a detenção de quem desagradar o presidente. Neste caso, qualquer pessoa que, através de um sistema de informação, difundir informações com intenção de prejudicar a integridade ou a independência nacional, de destruir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado, de forçar as autoridades a praticar determinados actos, a abster-se de os praticar ou a tolerar que sejam praticados, será punida com pena de prisão de 12 a 16 anos (art. 24.º, n.º 1). Mais uma vez, a margem de arbitrariedade é enorme. Ou há aqui uma péssima técnica jurídica, ou trata-se da completa possibilidade de criminalização da utilização do Facebook, de blogues e de outros instrumentos das tecnologias da informação.

Por outro lado, surge ainda uma disposição que permite aos órgãos de defesa e segurança, no exercício das funções de integridade territorial, da soberania nacional e da segurança do Estado angolano, ordenar a preservação, busca e apreensão de dados sem a prévia autorização de qualquer autoridade judiciária (art. 75.º, n.º 1).  Este preceito expõe qualquer crítico do regime a buscas nas suas residências, na rua ou noutros locais, sem necessidade de justificação, de todos os seus meios de comunicação electrónicos, como computadores, tablets, telefones, discos externos, pen-drives, DVDs, etc. Com esta lei, os Serviços de Inteligência e Segurança Militar (SISM), responsáveis pela vigilância dos principais críticos ao regime, podem efectuar buscas directas e arbitrárias.

Note-se bem: o que esta lei significa, na prática, é a criminalização do uso da internet.

É bastante claro que a sociedade angolana tem vindo a evoluir. Contudo, o seu presidente e os homens da sua confiança não. Por isso, é caso para dizer, ao passarmos para 2016: Venha, José! Cá o esperamos!

 

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