A Princesa Isabel e o Saque de Angola

Com o seu inglês aprendido nas melhores escolas londrinas, a princesa Isabel surgiu recentemente numa entrevista na BBC, falando sobre os desafios angolanos, sendo apontada como uma das mulheres mais ricas e poderosas do mundo. A princesa falou bem, referiu que o principal desafio de Angola era a educação do seu povo, e apresentou-se moderna e jovial: o rosto belo da ditadura.

Como já escrevi noutro lado, não duvido da capacidade e inteligência de Isabel, mas não acredito um minuto na fábula que nos estão a impingir. De onde vem o sucesso desta pessoa, filha do Presidente quase vitalício de Angola?

O mito que está a ser construído assenta a sua fortuna num apetite juvenil pelo comércio de ovos, que se foi desenvolvendo com os tempos. Talvez uma melhor explicação seja dada por Arkady Gaydamak, no processo que colocou contra Leviev em Londres, no Verão de 2012, julgado no Tribunal Superior de Justiça, pelo juiz Sir Geoffrey Voss. Entre várias coisas que Gaydamak referiu, enfatizou que nos anos 1990s, quando foi preciso controlar o negócio de diamantes para financiar a guerra, surgiram sociedades em que Isabel se destacava. Assim, Tatiana, a mãe e antiga mulher de José Eduardo dos Santos, e a filha Isabel aparecem como detentoras de 25% da sociedade que teria o monopólio da compra de diamantes angolanos (e subsequente venda) tal como definido através do Decreto presidencial de 31 de Janeiro de 2000. Essa sociedade era a ASCORP e a outra sociedade que detinha os 25% era a “TAIS” (acrónimo de Tatiana e Isabel). Tanto quanto percebi da leitura dos autos do julgamento, estas afirmações não foram desmentidas cabalmente.

Portanto, a origem da fortuna de Isabel não estará numa esforçada venda de ovos, mas, talvez, entre outros, na atribuição ilegal de proventos do monopólio de compra e venda de diamantes, que legalmente são propriedade do Estado e só poderiam ser comercializados com autorização da Endiama.   

Ademais, a famosa reportagem contida na revista Forbes, em 2013, se conseguiu quantificar a fortuna de Isabel dos Santos, não conseguiu estabelecer a sua origem. Dirão muitos que tal não é importante, e se trata apenas da prossecução de instintos negativos, uma vez que a origem da fortuna da princesa apenas a ela diz respeito.

Isso não é assim, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista do processo democrático angolano. É fundamental tornar completamente transparente a origem da fortuna de Isabel dos Santos. É um pressuposto material da legitimidade política de exercício do Presidente. Não estamos perante uma cidadã comum que poderá ter enriquecido com mais ou menos truques, nem sequer estamos perante os “robber barons” [barões gatunos] do século XIX americano.

Em termos legais estamos perante a filha de um presidente num país sem controlos orçamentais adequados, e por isso segundo a Financial Action Task Force, a organização inter-governamental mundial que se dedica a estabelecer regras sobre os movimentos financeiros internacionais, Isabel é uma Pessoa Politicamente Exposta e nessa medida, face à lei, a origem da sua fortuna tem que ser explicitamente estabelecida. Se estivéssemos perante a Mariquinhas, filha da Mãe Joana, não existiria essa obrigação legal.

Acresce que Angola, de novo, vive uma crise económica e financeira. Isso em si mesmo é normal e faz parte do funcionamento de uma economia de mercado. O que não é normal é os cofres estarem vazios, o Fundo Soberano aparentemente ter apenas 5 mil milhões de dólares, o que dá apenas para cobrir o deficit orçamental de um ano, segundo as projecções para 2016.

A pergunta que tem que se colocar é: para onde foi o dinheiro do Estado, que é do povo? É que se algum, como muitos suspeitam, foi parar à princesa para começar as suas venturas capitalistas, resta pouca ou nenhuma legitimidade ao presidente para exigir sacrifícios aos seus concidadãos.

É por isso que a resposta à origem da fortuna de Isabel dos Santos é fundamental para a existência política de José Eduardo dos Santos.

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