Isabel dos Santos, o Pai e o Branqueamento de Capitais na EFACEC

Passam-se completos atropelos às leis e recomendações internacionais em vigor, mas os órgãos competentes continuam a aplicar aquela velha máxima de que a lei só se aplica aos inimigos…

Primeiro, os factos:

Em Junho de 2015, foi anunciado que Isabel dos Santos, a filha bilionária do presidente de Angola com fortuna de origem desconhecida (?) ia comprar um dos orgulhos da engenharia portuguesa: a EFACEC.

O preço da compra seria de 200 milhões de euros.

Também em Junho de 2015 circularam notícias segundo as quais a EFACEC, depois de comprada, viria a ser a fornecedora de material eléctrico para três barragens em construção em Angola, designadamente Cambambe e Laúca.

A compra efectuada pela nova estrela do jet-set da Côte d’Azur seria feita por uma empresa-veículo (chama-se “empresa-veículo” às empresas que não fazem nada a não ser aparecer como entidade jurídica para concretizar um negócio em nome próprio, mas no interesse de outrem).

A empresa-veículo de compra da EFACEC tem o nome de Winterfell Industries.

Em Setembro de 2015, a compra já se tinha concretizado e a Winterfell Industries, pertencente a Isabel dos Santos, já detinha 65% da EFACEC.

E eis que surge a “bomba”. Torna-se público que, em 18 de Agosto de 2015, o pai- presidente José Eduardo dos Santos tinha exarado um despacho presidencial segundo o qual uma empresa pública angolana de electricidade compraria 40% da Winterfell, por preço desconhecido.

Esta técnica denomina-se, no meio financeiro, uma “operação em cascata”, e permite a uma entidade ficar maioritária de uma empresa sem gastar dinheiro, ou gastando pouco.

Entra agora a especulação, que tem de ser feita porque a informação é opaca.

Não se sabe o valor da entrada em dinheiro da empresa estatal angolana na sociedade da filha presidencial que comprou a EFACEC.

Mas nos meios “informados”, bem como na media digital, assume-se que a empresa estatal angolana foi o elemento financeiro desta operação. Ou, dizendo em português simples: foi o Estado angolano que colocou o dinheiro nas mãos de Isabel para esta comprar a EFACEC.

Para se confirmar esta conclusão, a operação a fazer é simples: saber o montante total de entradas, suprimentos ou outros montantes em dinheiro que a empresa estatal colocou na Winterfell. Note-se que esta última era uma empresa parada, sem actividade conhecida, uma mera empresa-veículo, e por isso não tinha capitais próprios relevantes.

Analisemos melhor a Winterfell. Trata-se de uma sociedade anónima criada em finais de Dezembro de 2014, na zona franca da Madeira, com sede no Funchal, tendo como objecto social o exercício de actividades de consultoria para os negócios e a gestão, bem como a gestão de participações sociais não financeiras. O seu capital é de € 50 000 (cinquenta mil euros).

A pergunta necessária: de onde veio o dinheiro para uma jovem sociedade com seis meses de vida, sem actividade efectiva, com cinquenta mil euros de capital social, gastar duzentos milhões de euros?

A resposta será: do Estado angolano, que coloca o dinheiro, mas fica em minoria. Um magnífico negócio…

Se for assim, poderemos estar perante um conjunto de ilegalidades graves, tornando-se o dinheiro investido na EFACEC de origem criminosa.

E este ponto leva-nos à leviandade com que estes negócios passam pelas autoridades sem terem qualquer atenção às leis que aprovam e às normas internacionais.

Isabel dos Santos é uma PEP (Politically Exposed Person), ou “Pessoa Politicamente Exposta”, uma vez que é filha de um chefe de Estado, nos termos da definição da FATF (Financial Action Task Force), que é uma organização intergovernamental cujos objectivos são estabelecer padrões e promover a aplicação efectiva das medidas legais, regulamentares e operacionais para combater o branqueamento de capitais, entre outros. Portugal é membro da FATF desde 1991. Por sua vez, Angola é considerada país de alto risco e uma jurisdição não colaborativa.

Neste enquadramento, todas as acções financeiras de Isabel dos Santos em Portugal deveriam ter passado por um crivo apertado que considerasse, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela FATF (FATF Guidance. Politically exposed persons. Recommendations 12 and 22, 2013), informações sobre a origem dos fundos ou fonte de riqueza da PEP; sendo que essa verificação não pode ser feita de forma superficial. As instituições estão obrigadas a estabelecer a fonte de riqueza e a origem dos fundos de PEPs estrangeiras, tendo uma imagem clara de como o PEP adquiriu a riqueza, quer em geral, quer para o negócio concreto que estão a acompanhar. Já agora, acrescente-se que um dos indicadores (red flag) apontado pela FATF como eventualmente indiciador de alguma incorrecção é a utilização de sociedades-veículo.

Em resumo, há um dever claro, face à lei e aos compromissos internacionais do Estado, de investigação da origem dos fundos de Isabel dos Santos, quer em geral, quer em particular.

Neste caso da EFACEC, o dever é ainda mais urgente e necessário, porque poderá estar-se perante uma operação de branqueamento de capitais obtidos ilicitamente do Estado angolano por pessoas politicamente expostas.

Não corresponde a qualquer interesse público do Estado angolano financiar a filha do presidente para comprar uma empresa privada que vai vender material para barragens públicas. E as outras jurisdições, face ao direito internacional, não podem fingir.

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