José Eduardo dos Santos Tem Medo de Livros e de “Miúdos”

Um leitor do Maka Angola levanta uma questão pertinente sobre a detenção, a 20 de Junho, de 13 activistas enquanto estes discutiam métodos pacíficos de protesto contra o que consideram ser a ditadura. Dois outros foram detidos nos dias subsequentes, igualmente acusados de tentativa de golpe de Estado em Angola. A maioria desses activistas é conhecida pelas suas tentativas malsucedidas e brutalmente reprimidas de organizarem manifestações antigovernamentais.

Mas como é possível – pergunta o leitor – que indivíduos que não conseguem juntar-se em protesto, por mais simbólico que seja, sem serem violentamente reprimidos e detidos, terem capacidade para organizar um golpe de Estado?

Porventura cansados de servirem como sacos de pancada para as autoridades e de serem acusados de desorganização por sectores da sociedade civil, os jovens decidiram formar um grupo de estudo. Armaram-se com livros sobre formas pacíficas de protesto para aprenderem a defender melhor as suas ideias. Tornaram-se num perigo maior para o poder, que, segundo vários analistas, teme mais as ideias livres do que as armas.

O Maka Angola resolveu desvendar quem são realmente os 15 indivíduos encarcerados como “golpistas”, e elaborou breves perfis sobre cada um deles.

Antes de prosseguir, é importante notar que a maioria dos jovens detidos tem sido alvo de repressão brutal por parte das autoridades. Não são conhecidas diligências do Comando-Geral da Polícia Nacional e do Ministério do Interior que visem prevenir e punir os actos de tortura por parte de agentes seus contra os jovens. Muito menos se conhecem iniciativas da Procuradoria-Geral da República no sentido de investigar os abusos denunciados. Pelo contrário, as vítimas, espancadas e detidas enquanto tentam pacificamente velar pelos seus direitos constitucionais, são sempre tratadas como agressores e violadores da lei.

E os órgãos de poder, em lugar de impedirem os abusos das autoridades policiais, fomentam publicamente a ideia de que essas vítimas planeiam um suposto golpe de Estado.

Aliás, o recurso a acusações de planeamento ou tentativa de golpe de Estado é uma já longa tradição entre os órgãos administrativos do País. O caso mais paradigmático e recente é o do ex-chefe do Serviço de Inteligência Externa, general Fernando Miala, acusado de tentativa de golpe de Estado em 2006. A acusação, feita pelo general João Maria de Sousa, de acordo com opiniões abalizadas, serviu para promover este último a procurador-geral da República. Em 2009, o General Miala acabou por ser condenado a quatro anos de prisão por insubordinação. Já não se falava mais em golpe de Estado, uma vez destruída a sua carreira, poder e influência. Na altura, circulou a informação de que a detenção do general Miala e dos seus mais próximos colaboradores se deveu à sua indignação contra o modo como membros do gabinete presidencial usavam os acordos secretos com a China para enriquecimento pessoal e em detrimento dos interesses nacionais.

Na estratégia oficial de vitimização do presidente José Eduardo dos Santos, como sofredor de golpes imaginários, falta coerência. Por exemplo, a 6 de Junho de 2013, em entrevista à televisão portuguesa SIC, Dos Santos referiu que os jovens que se manifestam contra o seu poder são “frustrados”, sem formação e desempregados. De “frustrados” a golpistas foi um passo.

Em Dezembro de 2013, o segundo comandante-geral da Polícia Nacional, comissário-chefe Paulo de Almeida, concedeu uma grande entrevista à Rádio Ecclesia e revelou uma suposta tentativa de golpe de estado contra o presidente José Eduardo dos Santos. De acordo com as declarações do comissário-chefe Paulo de Almeida, os supostos “golpistas” tentavam organizar uma manifestação, a 23 de Novembro de 2013, sobre o caso Cassule & Kamulingue, que seria o pretexto para o golpe de Estado. “Temos provas de que [a manifestação] era para tomada ao poder. Temos provas de que era para o assalto ao poder”, disse, na altura, o comissário-chefe.  

Foi precisamente a 23 de Novembro de 2013 que um membro da Unidade de Segurança Presidencial (USP) executou o activista político Manuel Hilberto Ganga, com dois tiros nas costas, na sua unidade junto ao Palácio Presidencial. Também no mesmo dia, efectivos policiais atacaram os líderes da oposição com gás lacrimogéneo, quando estes tentaram juntar-se a manifestantes no Largo da Independência, em Luanda. No dia anterior, a polícia deteve mais de 200 membros da CASA-CE em algumas províncias do país, incluindo deputados, por exigirem justiça no caso Cassule & Kamulingue.

Desta vez, a inventona de golpe de estado desvia as atenções da opinião pública do massacre de Monte Sumi perpetrado por forças policiais e militares, em Abril passado no Huambo. A inventona também se sobrepõe ao fracasso da visita presidencial à China, no princípio do mês, que a propaganda anunciava como uma tábua de salvação para a economia nacional, actualmente em queda livre. O presidente regressou de lá com uma mão cheia de nada. O segredo sobre as negociações com a China ajuda-o a manter as aparências.

Breves Perfis dos Activistas

Os 15 detidos são: Hitler Jessia Chiconda “Samusuku”, Osvaldo Caholo, Afonso Matias “Mbanza Hamza, Albano Evaristo Bingobingo “Albano Liberdade”. Nelson Dibango, Sedrick de Carvalho, Domingos da Cruz, Inocêncio António de Brito “Drux”, Arante Kivuvu, José Gomes Hata “Cheik Hata”, Luaty Beirão “Brigadeiro Mata-Frakuxz”, Manuel Baptista Chivonde Nito Alves, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Nuno Álvaro Dala e Benedito Jeremias “Dito Dali”.

Hitler Jessia Chiconda “Samussuku”
Idade: 25 anos
Local de nascimento: Moxico
Habilitações literárias: Frequência do 4º ano de Ciências Políticas
Universidade Agostinho Neto
Ocupação: Estudante e artista de hip-hop

Segundo familiares, o pai de Samusuku era gozão, e por isso escolheu e registou os nomes de Hitler, o líder da Alemanha nazi, para o seu primogénito e o de Mussolini, o líder fascista italiano, para o seu caçula.

Sobre a suposta preparação de golpe de Estado pelo sobrinho, Gedeão Cauale “Muatxiânvua” responde com risos: “Dá para rir. Vi a polícia a chegar à minha casa, com quatro veículos, como se dirigissem para uma frente de combate.”

O tio explica que os agentes “vieram à casa quando estávamos a preparar uma festa para a minha filha caçula. A polícia tomou posições de combate na rua e na vizinhança”.

“Disseram-me que vinham trabalhar na minha casa. Pedi que me apresentassem um mandado de busca e ignoraram-me”, denuncia.

Muatxiânvua nota como “os polícias levaram todos os livros do Hitler, incluindo da universidade, computador, discos. Até a roupa dele também carregaram em sacos”.

“Eu sou diácono da Igreja Evangélica Cristã. Os polícias disseram-me que vieram em minha casa em representação de César, que quer o que é seu. Reviraram a casa toda”, referiu religioso.

Osvaldo Caholo
Idade: 26 anos
Local de nascimento: Bengo
Habilitações literárias: Licenciado em Relações Internacionais, Universidade Técnica de Angola (UTANGA)
Ocupação: Tenente da Força Aérea Nacional, docente auxiliar de História de África, UTANGA

Dos suspeitos, é o único com experiência militar. Osvaldo Caholo é efectivo das Forças Armadas Angolanas (FAA), destacado na Força Aérea Nacional desde os 18 anos.  Segundo familiares seus, o jovem tinha sido dispensado das suas tarefas militares para representar o clube de basquetebol deste ramo, num torneio militar que teve lugar na semana passada.

Um grupo de 15 operativos do SIC e outros órgãos de segurança montaram uma armadilha,  a 24 de Junho, por volta das 7h20, para a sua detenção. Telefonaram para a sua casa, na Centralidade de Cacuaco, em Luanda, para prestar informações sobre um suposto acto de vandalismo contra a viatura da sua esposa. Osvaldo Caholo desceu do edifício, segundo informações prestadas pela sua esposa,  Delma Bumba, e um dos agentes apontou-lhe uma pistola à cabeça, algemaram-no e levaram-no, numa viatura com vidros fumados.

Passado meia-hora, os captores regressaram com o detido à sua residência para apreensão dos seus meios electrónicos, livros e telefones, incluindo da esposa, que é membro da Polícia Nacional.  Sete dos agentes vasculharam a casa durante meia hora, sem terem exibido qualquer mandado de busca, segundo Delma Bumba. “Revistaram até a casa de banho e a cozinha”, conta.

Os agentes levaram consigo dois computadores, cinco telefones celulares, incluindo três de Delma Bumba.

“Os polícias levaram todos os documentos pessoais do meu marido, incluindo certificados dos seus cursos militares e da universidade”, explica Delma Bumba.

Delma Bumba afirma: “os polícias não tinham como carregar os livros todos do Osvaldo, que são muitos, então escolheram uns 20, que tratam de política e levaram-nos”.  Diz ter visto os agentes a escolherem, entre o que consideram ser de literatura subversiva, a Purga em Angola, da Dalila e Álvaro Mateus, sobre o massacre do 27 de Maio de 1977, que serviu para o então presidente Agostinho Neto e os seus leais, eliminarem milhares de cidadãos angolanos por suposta participação numa tentativa de golpe de estado nunca provada. Outro livro apreendido como prova da conduta perigosa do tenente Caholo, é a História das Ideias Políticas, sobre o pensamento de “grandes filósofos e políticos sobre a política”. Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, de Rafael Marques, também se encontra no lote de livros apreendidos.

“Eu não sei se é por causa dos livros que o meu filho lê. Ele passa a maior parte do seu tempo em casa a ler livros. É de poucos amigos. Foi detido em casa, não estava na tal reunião. Nunca ouvi falar num golpe de estado que se faz com livros ou com 10, 15 ou mesmo 20 miúdos”, desabafa a mãe, Isabel Correia, a chorar.

No mês passado, Osvaldo Caholo foi distinguido como um dos melhores alunos que terá frequentado a UTANGA. “A polícia viu e levou também o diploma dele de reconhecimento”.

Delma Bumba refere também que os agentes “exigiram levar o único par de farda que o meu marido tem em casa, mas estava na água, para ser lavado. Não encontraram arma nenhuma em casa, porque ele nem sequer pistola tem ou usa”, sublinha a esposa. “Eu sou agente da Polícia Nacional e também não tenho arma em casa”,  acrescenta a agente reguladora de trânsito. A viatura da agente policial também foi revistada minuciosamente em busca de provas contra o marido.

Os colegas militares informaram a Delma Bumba que o tenente Osvaldo Caholo passou à reserva em Março passado. Explicaram-lhe que o documento que o dispensa do exército foi lido hoje (1 de Julho) durante a parada da unidade militar que  o seu marido integrava até à data
 

Afonso Matias "Mbanza Hamza"
Idade: 30 anos
Local de Nascimento: Uíge
Habilitações literárias: Frequência do 4º ano de Engenharia Informática, Universidade Gregório Semedo
Ocupação: Professor do ensino primário

Desde 2011, Mbanza Hamza tem sido uma das principais vítimas da brutalidade policial e dos órgãos de segurança contra o movimento dos jovens que se têm manifestado contra o regime do presidente José Eduardo dos Santos. Em 2012, as milícias sob comando directo do MPLA quebraram-lhe a cabeça e a omoplata enquanto atacavam a residência de Carbono Casimiro, onde os jovens se encontravam reunidos a preparar uma manifestação.

O jovem vive em casa da mãe, com os seus dois filhos. A sua mãe, Leonor Odete João, não tem medo de exprimir publicamente a sua revolta pela detenção do filho.

“O Presidente da República não tem cabeça para pensar? Parece que não nasceu de uma mulher. Ele como mais velho devia chamar os miúdos, como filhos, e perguntar-lhes porque estão a fazer barulho nas ruas?”, questiona a mãe.

Apesar das dificuldades por que passa e dos seus 50 anos, Leonor João frequenta o 3º ano do curso de línguas, na Universidade Agostinho Neto. Acredita no poder da educação com sentido crítico. “O poder do meu filho é a consciência dele. Os livros que ele lê é que dão medo ao presidente”, afirma. E prossegue: “O perigo aqui é o estudo, é o que o meu filho está a aprender. Ele tem liberdade de consciência e de escolha.”

Leonor João expressa o sofrimento que sente por ver o filho sofrer por um ideal: “Desde que o meu filho está preso eu não como, só choro.”

A mãe lamenta a forma como os agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC) reviraram a sua casa sem mandado de busca e as apreensões que efectuaram. “Levaram o meu computador, receberam-me o meu telefone, o do meu filho menor. Até as minhas revistas femininas e os jornais que guardo também levaram. Todos os papéis que encontraram levaram.”

Destemida, a progenitora de Mbanza Hamza tem um conselho para o líder angolano: “O presidente da República que não perca a sua cabeça com os miúdos. Se até as crianças estão revoltadas contra ele, imagina os mais velhos, mesmo aqueles que estão ao lado dele. É com esses que ele se deve preocupar.”

“Eu não quero enterrar o meu filho, para amanhã ser deitada no lixo. Quero ser enterrada pelo meu filho. Senhor presidente, não são as crianças que dão golpes de Estado. Eu quero o meu filho”, desabafa.

 

Albano Evaristo Bingobingo “Albano Liberdade”
Idade: 29 anos
Local de nascimento: Huambo
Habilitações literárias: Frequência do 10º ano, Escola João Beirão
Ocupação: motorista

“Entrou para a revolução depois de ter sido expulso da Casa de Segurança do presidente da República, em 2011, onde trabalhava como motorista. Fez parte de um grupo que reclamava melhores condições salariais e de trabalho”, afirma o activista Coronel Fuba, amigo e vizinho de Bingobingo.

Curiosamente, Albano Bingobingo faz parte do mesmo grupo de “dispensados sem compensação” da Casa de Segurança do PR, que já tem alguns dos seus membros inscritos nos anais do activismo em Angola: Alves Kamulingue e Isaías Cassule, assassinados em 2012 por operacionais da Polícia Nacional e do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE).

Para Raúl Mandela, Bingobingo “é um dos manos da linha da frente, com o Arão Kivuvu, o Nito Alves”. Os da linha da frente são os que contam com mais de cinco detenções e número igual ou superior de sessões de pancadaria às mãos de agentes da Polícia Nacional e dos serviços de segurança.

Albano Bingobingo conta, no seu currículo de activismo, com sete detenções e consequentes sessões de espancamento por forças policiais, por participação em tentativas de manifestação em 2011, 2013 e duas em 2014. Em Abril do ano passado foi um dos detidos na tentativa de manifestação contra o aumento dos preços de combustível, ao que se seguiu uma segunda detenção, quando se juntou a antigos combatentes que procuravam reivindicar os seus direitos através de uma manifestação pacífica. Queixa-se de dores recorrentes na perna direita como consequência, segundo diz aos seus companheiros de luta, dos actos de tortura que tem sofrido às mãos da polícia.

O activista tem uma filha de seis anos, que vive com os avós no Huambo. Recorre a trabalhos sazonais como motorista para sobreviver.

 

Nelson Dibango
Idade: 32 anos
Local de Nascimento: Luanda
Habilitações literárias: Frequência do 3º ano de Psicologia, Universidade Católica de Angola
Ocupação: Técnico de informática, trabalha por conta própria

Em casa dos pais, onde vive, os operativos do SIC apreenderam cinco computadores, incluindo o do pai do suspeito. Até as impressoras foram confiscadas, para servirem de prova material da preparação do suposto golpe de Estado.

Moisés dos Santos Miguel, de 56 anos, pai de sete filhos, incluindo o suspeito, fala abertamente sobre a actividade cívica do seu filho.

“Para ser sincero, eu tenho o cuidado de conversar com o meu filho. Eu e os irmãos dele também queríamos assistir à reunião no dia em que foram detidos. Só não fomos porque ficámos em casa a cuidar da esposa do Nelson”, revela.

Há semanas, médicos da Maternidade Lucrécia Paim, um hospital público, esqueceram-se de pensos no útero da esposa de Nelson Dibango, após terem realizado uma cesariana. O activista chegou mesmo a organizar um protesto diante da maternidade e a colocar fotos no Facebook sobre o caso. A esposa teve de ser operada numa clínica privada para remoção do material cirúrgico esquecido no seu útero.

“Das poucas conversas que tive com o meu filho, nunca notei nada de errado ou de especial nas suas ideias. Fala-me sempre do activismo cívico como forma decontribuir para a melhoria da situação no país”, diz o pai.

Segundo Moisés Miguel, “o meu filho sempre defendeu os direitos humanos. Discutimos até formas de vermos como, no futuro, poderemos contribuir melhor para que as pessoas possam regressar às províncias”.

Domingos da Cruz
Idade: 31 anos
Habilitações literárias: Graduado em Filosofia e Pedagógico, Instituto Dom Bosco de Estudos Superiores; Mestre em Ciências Jurídicas sobre Direitos Humanos, Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Ocupação: Docente na Universidade Independente de Angola

Domingos da Cruz tem sido vigiado pelas autoridades pelos seus escritos considerados subversivos. É o autor da obra Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política de Libertação para Angola, que se encontra no prelo. A obra, a que o Maka Angola teve acesso em formato digital, tem sido usado como manual nas reuniões dos jovens e pode ser considerada uma adaptação do modelo de activismo propagado pelo académico pacifista norte-americano Gene Sharp, no seu livro From Dictatorship to Democracy: A Conceptual Framework for Liberation (Da Ditadura à Democracia: Uma Abordagem Conceptual para a Libertação). Este livro tem sido utilizado a nível internacional como um manual de instrução para estratégias de luta não-violenta contra ditaduras.

No entanto, o conteúdo do livro de Domingos da Cruz nada tem de bombástico como o título. De um modo geral, a obra, de 184 páginas, defende que a luta pacífica, incluindo a desobediência civil, é a melhor via para os angolanos conquistarem a sua liberdade e implantarem a verdadeira democracia. O autor é contra o uso da violência e insiste na salvaguarda de vidas humanas. Sobre a possibilidade de um golpe de Estado, como mecanismo de derrube de uma ditadura, por exemplo, Domingos da Cruz defende que os golpes representam um retrocesso no processo de mudança e tendem a dar lugar a uma nova ditadura. Nem sequer o autor promove a ideia de mudanças alicerçadas em apoios externos. Manifesta-se contra.

Para perseguirem Domingos da Cruz, os órgãos judicias agarram-se aos títulos das obras de sua autoria.

A 6 de Setembro de 2013, o Tribunal Provincial de Luanda absolveu Domingos da Cruz da acusação da Procuradoria-Geral da República segundo a qual o escritor cometera o “crime de incitação à desobediência colectiva” por causa do título de um livro se sua autoria: Quando a Guerra é Urgente e Necessária. Foi absolvido, porque o referido crime é inexistente na legislação angolana.

Segundo a sua irmã, quatro agentes policiais reviraram a casa de Domingos da Cruz, no passado domingo, “incluindo a casa de banho e baldes de água. Levaram tudo o que era papéis com escrita”.

Pelo seu papel intelectual e de principal orador nos debates sobre novas formas de activismo pacífico, as autoridades têm-no como um dos “cabecilhas” da suposta intentona golpista.
 

Sedrick de Carvalho
Idade: 25 anos
Local de nascimento: Luanda
Habilitações literárias: Frequência do 4º ano de Direito, Universidade Jean Piaget
Ocupação: Jornalista, Folha 8, O Golo

Iniciou a sua carreira profissional em 2011, no semanário Folha 8, como paginador, tendo depois evoluído para jornalista.  Em 2013 juntou-se ao Novo Jornal, onde cobria regularmente assuntos de sociedade e economia. Rescindiu o seu contrato em Janeiro passado, e regressou ao Folha 8, onde continua vinculado a assuntos de economia e sociedade.

Nos últimos dias, Sedrick esteve a ministrar um curso de paginação na Igreja Evangélica de Angola. Depois de ter prestado formação para o jornal da igreja, no sábado de manhã de 20 de Junho, seguidamente juntou-se ao grupo de estudo.

Os seus colegas referem que o computador portátil do Sedrick encontrava-se avariado e, como alternativa, circulava com um computador cedido por Domingos da Cruz, a quem paginara o manuscrito utilizado como manual do grupo de estudo.

É fundador e principal responsável do portal de informação de futebol “O Golo”, lançado há cerca de um mês e meio.

“A acusação contra o meu filho é uma calúnia. O meu filho nunca teve arma ou actividade de partidos políticos para ser acusado de estar a preparar um golpe de Estado”, denuncia João Rodrigues de Carvalho.


Inocêncio António de Brito “Drux”
Idade: 28 anos
Local de nascimento: Malanje
Habilitações literárias: Frequência do 4º ano de Economia, Universidade Católica de Angola
Ocupação: Estudante e chefe do grupo de acolhimento dos Escuteiros da Paróquia de São Francisco de Assis, Igreja Católica, no município de Viana

“O meu filho só sabe manipular a lapiseira, não sabe manejar uma arma. Vai dar golpe de Estado com uma caneta?”, interroga-se Marta Mulay, mãe de Inocêncio de Brito.

Para a mãe, a detenção do seu filho “é uma injustiça. É inocente de tudo quanto o acusam. O Inocêncio não concorda com a governação do presidente. Quer apenas ajudar a abrir as mentes do seu povo porque o país está mal. Como família, exigimos a sua libertação imediata”.

Por sua vez, Marcelina de Brito conta como o irmão foi levado a casa, depois da detenção. A polícia enfiou-lhe um saco preto na cabeça para não ver onde o levavam, ele estava desorientado”. A irmã do escuteiro confirmou que a polícia apreendeu o seu computador, telefone e todos os seus livros e cadernos da universidade”.

Arante Kivuvu
Idade: 20 anos
Habilitações literárias: Frequência do 1º ano de Filosofia, Universidade Agostinho Neto
Ocupação: Estudante

Um dos activistas da chamada “linha da frente”, com mais de cinco detenções no seu historial, Arante Kivuvu foi detido e espancado três vezes no mesmo dia, em três anos diferentes, a 27 de Maio de 2012, 2013 e 2014. Faz parte dos teimosos que tentam sempre lembrar, com uma manifestação, os massacres de 27 de Maio de 1977. “O Arante esteve detido pela primeira vez a 27 de Maio de 2012, quando levámos a grande porrada dos ninjas [Polícia de Intervenção Rápida], que nos pisotearam as cabeças com botas militares”, lembra Raúl Mandela.

José Gomes Hata “Cheik Hata”
Idade: 29 anos
Habilitações literárias: Licenciado em Relações Internacionais, Instituto Superior Politécnico do Cazenga (ISPOCA)
Ocupação: Artista hip-hop

Cheik Hata é o líder do grupo de hip-hop Terceira Divisão, do qual Hitler Samussuku faz parte. As suas letras são consideradas revolucionárias. Os versos são de revolta – a revolta dos jovens que se sentem roubados, oprimidos e traídos – e falam sobre a realidade sem rodeios e sem medo.

“Desperta-te, vamos a isso/Pensamentos negativos, actos diabólicos/resultam em violações, corrupção e assassinatos/Homens possuídos sem clemência no geral/Mais percentagem ao Zé (…)/”, canta o rapper na faixa musical “Metade homem, metade animal”, do disco Projecto Não Vota.

Nessa mesma faixa, o rapper refere-se assim aos legisladores: “(…) sentados à mesma mesa/aprovam a lei/abutres concordam como camelos do rei/sim, sim, sim/nunca dizem não/o espectro politico é feito à base da corrupção/discursos limitados em factos passados/pobres e baratos/ o cão do professor também pensa que já é professor(…)”.

“(…) o povo em desespero/como justificar a morte de alguém/que morreu por ter sido sincero?/a criação de mais um ministério para roubar uns dinheiros?/ a alcoolização do povo para esquecer o sofrimento?/falar de igualdade de direitos/se o povo não tem tecto?/somos o indescritível/(…) não adianta falar de leis/aqui é um caso inconveniente/vivemos na desordem/sob a ditadura de um presidente (…)” acusa Cheik Hata.

 

Luaty Beirão “Brigadeiro Mata-Frakuxz”
Idade: 33 anos
Habilitações literárias: Licenciado em Electrotecnia, Universidade de Plymouth, Inglaterra; licenciado em Economia e Gestão, Universidade de Montpellier I, França
Ocupação: Artista hip-hop

Luaty Beirão encontra-se, desde 30 de Junho, em greve de fome na Penitenciária de Calomboloca, onde se encontra detido.

O artista foi um dos primeiros sete detidos pela tentativa de manifestação, a 7 de Março de 2011, inspirada pela Primavera Árabe. Esse movimento de protestos de rua liderado por jovens, iniciado na Tunísia, causou o derrube do ditador Ben Ali, em Janeiro do referido ano, tendo de seguida galvanizado milhões de egípcios que também decidiram, nas ruas, o fim do regime ditatorial de Hosni Moubarak. Desde então, segundo vários analistas, as autoridades angolanas reforçaram os seus métodos de repressão contra os que ousam usar o direito constitucional de manifestação e protesto contra o presidente José Eduardo dos Santos.

Num espectáculo de hip-hop produzido por MCK, no Cine Atlântico, a 27 de Fevereiro de 2011, Luaty anunciou publicamente que à meia-noite ia realizar-se a primeira manifestação, convocada por um anónimo, e que ele estaria presente. Irreverente, ali mesmo enviou recados ao presidente da República, mencionando o seu filho Danilo, que se encontrava na plateia.

Como consequência, Dos Santos emitiu o Decreto Presidencial 111/11, que regula os espectáculos e divertimentos públicos. Esse decreto exige que os promotores dos espectáculos submetam uma lista nominal do elenco de artistas para autorização pelo Ministério da Cultura. Desde então, os espectáculos de artistas de hip-hop críticos do governo têm sido impedidos.

O artista hip-hop conta com mais de cinco detenções no seu currículo de activista e várias agressões às mãos da Polícia Nacional e milícias ao serviço directo do MPLA. A 12 de Março de 2012, foi brutalmente ferido por agentes governamentais, que reivindicaram o ataque na Televisão Pública de Angola (TPA) em nome de um suposto “Grupo de Cidadãos Angolanos pela Paz, Segurança e Democracia na República de Angola”.

Luaty Beirão faz parte da primeira geração de rappers contestatários surgida em finais da década de 90. Também realizou o primeiro programa de hip-hop crítico, na Rádio LAC, durante três anos.

O seu activismo tem-lhe valido diferentes ardis. A 11 de Junho de 2012, foi implantado um pacote de cocaína na sua bagagem, no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda. As autoridades angolanas, ingenuamente, telefonaram à polícia portuguesa para denunciar o rapper como traficante. Após um dia de detenção e as devidas averiguações, a polícia portuguesa libertou-o.

Manuel Baptista Chivonde Nito Alves
Idade: 18 anos
Local de nascimento: Huambo
Habilitações literárias: Frequência do 1º ano de Direito, Instituto São Francisco de Assis
Ocupação: Estudante

De entre os activistas que ousam organizar ou participar em manifestações de protesto contra políticas e actos do executivo, assim como para exigir a demissão do presidente, Nito Alves é o alvo preferido das autoridades. Está desde há três dias em greve de fome, como forma de protesto contra a sua detenção.

Pelo seu activismo político, foi detido e surrado pela primeira vez aos 15 anos, em 2012. Esta é a sua décima detenção.

A 8 de Novembro de 2013, aos 17 anos, Nito Alves tornou-se célebre ao ser formalmente acusado pela Procuradoria-Geral da República de atentado contra o presidente da República. Mas, primeiro, a 12 de Setembro do mesmo ano, 15 agentes armados e não identificados, à paisana, raptaram o então menor e mantiveram-no cativo nas instalações de uma unidade policial desactivada, onde se revezaram a ameaçá-lo de morte. O crime do Nito Alves, segundo a instituição liderada pelo general João Maria de Sousa, foi o de ter imprimido 20 camisolas com o slogan “Zé-Dú/Fora/Nojento Ditador”. Na altura, a PGR formulou a sua acusação com base numa lei revogada, dos Crimes contra a Segurança de Estado (Lei nº 7/78).
Finalmente, a PGR acusou Nito Alves do “crime de ultraje contra titular de órgão de soberania” por causa das camisolas e manteve a sua detenção por dois meses.

A 23 de Julho de 2014, a PGR pediu em tribunal a absolvição de Nito Alves, por “insuficiência de matéria de prova para sustentar a sua acusação inicial”. O tribunal mandou-o em liberdade.

Dois meses antes, a 27 de Maio, efectivos da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) deram uma “lição” a Nito Alves sobre o que é a justiça em Angola. “Essa foi a maior surra que apanhei. Preferia ter estado preso do que ter sido torturado dessa forma pela polícia”, disse, na altura, Nito Alves ao Maka Angola.

Fernando Baptista, ex-agente da Polícia Nacional, é inequívoco na defesa das actividades de protesto do seu filho e seus companheiros. “Quando os jovens discutem os actos de má governação e exigem mudanças estão no seu direito. Eles têm esse direito.”

 

Fernando Tomás “Nicola Radical”
Idade:  37 anos
Local de nascimento: Lunda-Norte
Habilitações literárias:
Ocupação: Técnico de geradores, trabalha por conta própria

Nicola Radical, como é melhor conhecido, é o mais velho do grupo e outro dos manifestantes da chamada “linha da frente”. O seu activismo pacífico já lhe valeu cinco detenções, assim como tem sido vítima de espancamentos e tortura por parte de agentes policiais.
 
Sara João Manuel, esposa de Nicola, conta como os agentes da Polícia Nacional cercaram os arredores da sua casa no Kantinton, por volta das 17h00 de 20 de Junho, e obrigaram a vizinhança a fechar as portas enquanto realizavam a operação de busca na sua casa do que suspeitavam ser “material subversivo”
 
Como provas, os agentes confiscaram a colecção de jornais locais do suspeito. “Ele [Nicola] não tem computador e nunca foi militar”, refere a esposa, chocada com o suposto poder do seu marido para destituir o presidente.

Nuno Álvaro Dala
Idade: 31 anos
Local de Nascimento: Luanda
Habilitações literárias: Licenciado em Língua Portuguesa,  Universidade Agostinho Neto
Ocupação: Docente universitário, Universidade Técnica de Angola, e docente no Centro de Atendimento e Integração de Crianças Especiais.

Com a morte dos pais, há muitos anos, tem sido responsável pelo sustento dos seus dois irmãos menores, que vivem consigo. Há um mês, tornou-se pai da Joaquina. Vive também com a mulher.

Duas viaturas com vários agentes da Polícia Nacional fortemente armados escoltaram algemado, no sábado passado, Nuno Álvaro Dala à sua residência, no município de Viana. “A polícia recolheu todos os livros do meu irmão, cadernos, papéis, computador, tudo.”, conta a irmã Gertrudes Dala.

Na sua página de Facebook, Nuno Álvaro Dala tem, no lugar da foto de perfil, a imagem de um punho cerrado com a inscrição, abaixo, “O Pensamento Político dos Jovens Revús [revolucionários]: Discurso e Acção”. Como foto no seu mural tem a inscrição “A Destruição da Ditadura: Caminho”. O seu posicionamento nessa rede social valeu-lhe, a 22 de Abril, uma crítica directa do vice-presidente da bancada parlamentar do MPLA, João Pinto, que escreveu no mural de Dala: “você já escreveu textos tão contraditores e agitadores esquecendo-se que o jogo de tudo ou nada, só acontece com tolos e pouco racionais e quase sempre efêmero?… Defenda seus valores pela alternância democrática e não pela difusão da ignorância iluminada e jactante…”

O deputado João Pinto deixou ainda um recado interessante para Álvaro Dala no seu mural: “intelectual que quer mudança não se afasta, não fomenta ódio defende seus ordinais por via partidária como fazem os políticos!”


Benedito Jeremias “Dito Dali”
Idade: 26 anos
Habilitações literárias: 2º Ano do Curso de Relações Internacionais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações Internacionais (CIS)
Ocupação: Estudante

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