O Discurso de Ali Santos

“Nós bombardeámo-los [aos americanos], eles fugiram, nós estamos a ir atrás deles e a dar-lhes caça.” Este era o teor do discurso do ministro Ali, responsável pelo Ministério da Propaganda do Iraque, quando lhe entraram as tropas americanas pela casa dentro. Afinal, foram os iraquianos de Saddam quem fugiu…

Algo parecido se passou no dia 17 de Outubro de 2016, no discurso que o presidente da República José Eduardo dos Santos proferiu sobre o Estado da Nação. O quadro que pintou foi róseo: “Angola está a lidar com a crise melhor do que os outros países. Exemplos disso são a baixa progressiva dos preços dos bens essenciais, da inflação e da taxa de juros.” O presidente conseguiu dizer isto sem se rir.

Não, Sr. presidente, alguém o informou mal ou está a ler o discurso de outro ano. A inflação tem estado numa subida permanente. Em Setembro de 2016 estava no limiar dos 40%. O valor mais alto dos últimos meses. A taxa de juro de referência tem sido aumentada constantemente, situando-se agora nos 16%, e só no ano de 2016 subiu três vezes. Portanto, os indicadores estão ao contrário do apresentado no discurso presidencial.

Face a estes dados oficiais, as afirmações do presidente só podem ser gozo, além de reflectirem o cartoon de Sérgio Piçarra.

Se na economia está tudo ao contrário, as afirmações produzidas noutros campos também revelam uma perspectiva vesga do estado de coisas.

A dado passo, refere-se um incremento da repressão com mais investimentos no sector da defesa e da segurança. Isso não passa de uma ameaça. Não há dinheiro. Os soldados ganham 25 mil kwanzas. Podem ter os meios mais sofisticados do mundo, mas a ganharem como semiescravos não poderão fazer muito. Aliás, basta ver as dificuldades que existem no Golfo da Guiné, onde a pirataria marítima está em expansão, de tal modo que se situa aí o novo epicentro da pirataria em África.

Curiosa é a referência às barragens de Cambambe e de Laúca. Vê-se que ocupam destaque na política presidencial e fica assim explicada, para quem tivesse dúvidas, o motivo da compra da empresa de engenharia portuguesa EFACEC pela filha do presidente, Isabel dos Santos. Este era mais um negócio familiar, que também envolveria Lula e os brasileiros na parte do financiamento. O problema é que os financiamentos brasileiros para estes empreendimentos acabaram de ser suspensos pelas autoridades brasileiras. Também aqui o presidente se enganou, e está em sarilhos.

É confrangedor verificar a disfunção existente entre a realidade e o discurso do presidente. Já faz lembrar aqueles ditadores de opereta que apareciam nos livros de banda desenhada a discursar aquilo que os papagaios tropicais empoleirados ao lado lhes diziam.

O presidente não conhece a realidade? Finge que não conhece? Ou pensa que engana todos?

O presidente faz um ataque estranho aos Estados Unidos da América. Volta à sua repisada cartilha marxista-leninista e das incoerentes ditaduras africanas, em que todos os males injustificados, todas as incompetências dos governantes e qualquer pressão da sociedade podem e devem ser sempre atribuídos aos imperialistas americanos. Trata-se do mesmo José Eduardo dos Santos que fez várias diligências para ser recebido na Casa Branca pelo presidente Obama.

Esse ataque também faz lembrar a esquizofrenia do regime quando, em 2013, a revista Forbes publicou uma investigação de Rafael Marques e Kerry Dolan sobre a origem da riqueza de Isabel dos Santos – os decretos presidenciais e as manigâncias do pai. Os arautos do regime, incluindo propagandistas portugueses, alardearam que se tratava de uma cabala imperialista contra a boa família Dos Santos. Chegou a estabelecer-se uma ligação, na mais crua das propagandas nas redes sociais, entre a revista Forbes e uma suposta filha de Savimbi, para demonstrar que essa revista não tinha qualquer valor e era um instrumento savimbista ou de George Soros. Isabel dos Santos comprou, de seguida, os direitos de publicação da Forbes em português, e já nessa altura a revista, afinal, era de grande prestígio internacional. Antes mesmo da publicação da investigação, quando a Forbes declarou Isabel dos Santos como a mulher mais rica de África, aí já gozava de prestígio mundial.

Ou seja, o presidente José Eduardo dos Santos e a sua família continuam a achar-se o centro de gravidade do mundo, enquanto o povo angolano, educado para ser servil, submisso e sem iniciativa colectiva de cidadania, aguarda pelo discurso de alforria.

Por isso, há que relembrar a célebre frase atribuída ao presidente Lincoln: “Pode-se enganar todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar todos durante o tempo todo.”

Em Angola, parece o contrário. José Eduardo dos Santos pode enganar todos durante o tempo todo. A mentalidade dos angolanos assim o permite.

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