Batota: A Inconstitucionalidade da Lei do Registo Eleitoral

Depois de algum tempo no poder, os ditadores convencem-se de que são muito inteligentes e inexpugnáveis.

É nessa altura que começam a repetir os erros que os conduzirão à queda.

Os últimos tempos têm sido profícuos em asneiras. Desde as danças com o FMI, à ineptidão a lidar com o processo dos 15+2+1, até à descredibilização da Sonangol. Em todas as frentes, sucedem-se as asneiras da ditadura plebiscitada angolana.

Mesmo assim, o ditador não percebe que chegou a hora de abandonar o cargo de modo razoavelmente pacífico, preferindo insistir em “ganhar” as eleições de 2017.

Para “ganhar” essas eleições, lançou um vasto plano, de que faz parte a nova Lei do Registo Eleitoral.

Esta lei, ao arrepio do que está escrito na Constituição de Angola (repito, na Constituição Angolana, não na do Burkina Faso ou do Burundi), atribui ao presidente da República a organização do registo eleitoral.

Isto quer dizer que são os serviços auxiliares do presidente, neste caso o Ministério da Administração do Território (MAT), quem define o universo dos votantes. Assim, na prática, será o presidente-ditador (através dos serviços auxiliares) quem vai controlar se os “mortos” votam, se alguém vota duas vezes ou se, pelo contrário, é impedido de votar. O corpo eleitoral é definido pelo MAT.

Naturalmente, tal arranjo viola directamente o artigo 107.º, n.º 1, da Constituição (CRA). Dispõe este artigo que:

“Os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes, cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos por lei.”

Em Angola, este órgão é a Comissão Nacional Eleitoral (CNE).

Por este motivo, estiveram muito bem os mais de 600 comissários eleitorais que subscreveram uma petição dirigida à Assembleia Nacional com referência a dúvidas que a lei levanta.

Não entrando aqui em muitos detalhes jurídicos, o ponto essencial é o seguinte: a CRA confere explicitamente à CNE — órgão eleitoral independente — a organização do processo eleitoral.

É ponto assente na literatura científica internacional que o processo eleitoral engloba o registo eleitoral. Da Nova Zelândia à África do Sul, o processo eleitoral engloba, sem excepções, o registo eleitoral. No fim de contas, é este que define aquele, porque é a população votante quem define as eleições. Em rigor, ao controlarmos a população votante, controlamos as eleições, sobretudo em países grandes e com deficientes sistemas de registos civis e de informações, como é caso de Angola. Utilizando a terminologia académica:

“Os cadernos eleitorais são um componente fundamental de qualquer sistema de votação. Os registos constituem a lista oficial de eleitores e são uma evidência prima facie do direito dos eleitores a votar. Portanto, é necessário encontrar o equilíbrio certo nos procedimentos de registo: é preciso rigor, para garantir a integridade das listas de pessoas, e ao mesmo tempo é preciso flexibilidade, para garantir que os direitos das populações a se inscreverem e votarem são protegidos."

Bem se vê a importância do registo eleitoral no conjunto do processo eleitoral e a necessidade de o manter fiável e transparente.

Não havendo dúvidas sobre a competência da CNE nessa matéria, nem sobre o facto de o momento do registo pertencer ao processo eleitoral, é imperativo concluir que tem de ser a CNE a organizá-lo.

Ao retirar à CNE a responsabilidade do registo, a Lei comete uma “batota” política e legal. Política, porque tenta atribuir ao governo o poder de definir o universo eleitoral. Legal, porque não cumpre a Constituição.

Este ponto é muito importante, pois não basta ganhar eleições. É necessário ganhá-las com legitimidade e transparência.

Realizar eleições que depois são contestadas por deficiência dos procedimentos constitucionais, é extremamente negativo. Mais uma vez, José Eduardo dos Santos quer legitimar-se ganhando as eleições por via da batota, como diz o povo.

Assim, antes que seja tarde, há que devolver a organização das eleições ao órgão competente, anulando a usurpação de funções constitucionais que foi levada a cabo pelo presidente da República.

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